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“Orçamento participativo induz democratização da cidade”

Pesquisa de Maria Luiza Souza debate o conceito de ‘analfabetismo urbano’ em Direito              

Maria Luiza: “No cenário atual, o patrimônio se sobrepõe à condição da pessoa humana” (Imagem: Selfie)

Por: Letícia Franco

Bacharel em Direito e ex-aluna de iniciação científica, Maria Luiza de Souza, 23 anos, defende maior participação popular na gestão das cidades como ferramenta para democratizar o espaço urbano e reduzir as injustiças que decorrem da apropriação desigual das cidades. Segundo ela, a disputa pelo espaço urbano acaba sendo vencida pelos interesses financeiros e imobiliários em detrimento da justiça e do bem-estar comum. Neste caso, o arcabouço jurídico do qual dispõe o campo do Direito está muito mais voltado a proteger o capital e o patrimônio do que, propriamente, em desenvolver políticas de democratização do acesso à cidade. A seguir, os principais momentos da entrevista que Maria Luiza concedeu ao Digitais.

Digitais: O que significa exatamente “analfabetismo urbanístico”, uma expressão praticamente desconhecida do público?

Maria Luiza Souza: A expressão é trabalhada principalmente pela urbanista e professora Ermínia Maricato e significa o distanciamento entre a ordem legal urbana e a realidade da cidade. O analfabetismo urbanístico surge na interpretação da legislação urbanística sobre a cidade, visto que a legislação desconsidera a existência do caráter mercantilizado existente nos municípios. Sendo assim, ao desconsiderar esse caráter, a legislação acaba não limitando a atuação do mercado imobiliário nas cidades. E isso perpetua o ciclo de compra e venda, que se dá apenas para aqueles que possuem condições financeiras para habitar nos centros urbanos. Os cidadãos que não têm a mesma condição, acabam sedo empurrados para lugares desinteressantes para o mercado imobiliário, como as periferias, por exemplo.

Qual a aproximação entre o analfabetismo urbanístico e o campo do Direito?

A aproximação está no papel que o Direito deve exercer na sociedade enquanto um terceiro poder, o qual deve ser um aproximador da realidade da cidade e a ordem legal urbana. Conforme essa ordem, o Direito é responsável por garantir que o alcance ao direito à cidade se estenda a todos os habitantes, de modo que a infraestrutura, os serviços públicos e a inserção social sejam levados a todos os cidadãos. É dever do Direito garantir que essas medidas se cumpram. Porém na realidade esse campo acaba se pautando pelos interesses do mercado imobiliário e tende a desconsiderar a função social da cidade em benefício do bem patrimonial de alguns.

Qual o papel do Direito em relação à desigualdade nas possibilidades de apropriação da cidade?

Antes de discutir o papel do Direito em relação às desigualdades na apropriação da cidade, é importante conduzir um debate para compreender que o Direito e a apropriação da cidade são espaços de disputa, desigualdade e vulnerabilidades. Esse debate só é possível depois de entender essas desigualdades. Também é preciso transversalizar o debate sobre os Direitos Humanos, para que a gente possa verificar o significado dos Direitos Humanos nesse modelo social de exploração humana.

Se é necessário se pensar numa quantidade de Direitos Humanos é porque há violações, inclusive instrumentalizadas pelo próprio campo do Direito. Sendo assim, é fundamental compreender o que o Direito diz e faz. Se o entendemos como emancipador, ele seria um limitador das violações dos Direitos Humanos. Por outro lado, se o Direito e a própria ordem legal impedem o acesso de pessoas à cidade, já não se trata de buscar uma única resposta para o papel do Direito em relação à desigualdade na apropriação da cidade. É necessário fazer outras problematizações acerca do Direito frente à essas violações e pensar nas limitações impostas por esse campo, especialmente porque se essas não houvessem, os instrumentos normativos já existentes seriam suficientes para sanar as violações cotidianas.

Como o Direito pode combater o analfabetismo urbanístico?

Pensar no Direito como solução do analfabetismo urbanístico enseja a necessidade de se discutir qual é o contexto social em que o Direito está envolvido sob a perspectiva de apropriação da cidade. Justamente porque à medida que ele pode ser um limitador de violações e trazer uma emancipação social no ponto de vista do especialista Boaventura de Sousa Santos, por outro lado, pode promover essas desigualdades conforme a normatização das limitações de acesso ao próprio direito à cidade. Numa estrutura de dominação e exploração humana, o Direito age muitas vezes como impulsionador e não como defensor, algo que demanda um debate. 

Na pesquisa que desenvolvi, o combate ao analfabetismo urbanístico se dá pela participação popular. Estimular uma estrutura de gestão democrática da cidade é essencialmente trazer as discussões de pessoas que vivem a cidade tanto legalmente como de forma ilegal – pessoas colocadas à margem da cidade – para  que se acrescente suas perspectivas na construção de um local democrático e acolhedor, com orçamento participativo.

Por si só, o Direito não é suficiente, principalmente por não ser apenas um limitador, mas por também permear as desigualdades e vulnerabilidades nesse contexto social em que estamos inseridos. O fato condicionante para que se alcance o direito à cidade é o capital financeiro Portanto esse direito fomenta-se por quem pode pagar e de certa maneira o Direito legitima isso.

Como reverter o distanciamento entre as normas jurídicas, as quais interpretam a cidade como um local de convívio da diversidade, e uma realidade urbana marcada pela segregação, exclusão social e apropriação desigual da cidade? Como melhorar esse cenário, segundo os compromissos do campo do Direito?

O distanciamento entre as normas jurídicas e a realidade urbana pode ser revertido através da participação popular e também pela sobreposição da condição de pessoa humana em detrimento do patrimônio. Hoje em dia, o que há nas cidades é uma tentativa máxima de lucrar, o que prejudica quem não tem condição de pagar pela cidade. Ou seja, no cenário atual o patrimônio se sobrepõe à condição de pessoa humana à medida que ele se torna um fator determinante no acesso ao direito à cidade. Sendo assim, a reversão desses valores, sobrepondo a pessoa humana em relação ao patrimônio, seria uma forma de mudar esse distanciamento.

A legislação brasileira prevê a dignidade da pessoa humana como um fator essencial, mas na prática o patrimônio se sobressai. Para melhorar esse cenário, é preciso respeitar as diretrizes trazidas pelos Direitos Humanos, de modo a colocar a pessoa em primeiro lugar.

 

Orientação: Prof. Carlos A. Zanotti

Edição: Beatriz Mota Furtado

 


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