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Espetáculo leva dores de Lispector ao palco

“Minhas Queridas”, com Marilene Grama e Simone Evaristo, tem transmissão gratuita pelo YouTube      

Marilene Grama e Simone Evaristo, em “Minhas Queridas”, espetáculo baseado no livro das cartas de Clarice Lispector (Imagem: YouTube)

Por Oscar Nucci

Com uma temporada online e gratuita, com um total de 6 apresentações, a peça “Minhas Queridas” procura retratar as intimidades da escritora Clarice Lispector através de cartas para suas irmãs. A missão coube às atrizes Marilene Grama junto e Simone Evaristo, com direção de Stella Tobar. A peça estreou dia 19 de março e se estende até a noite deste domingo, 28, com apresentações gratuitas pelo canal no YouTube da “Cia de Teatro Diversão e Arte”. O espetáculo aborda as dificuldades da escritora brasileira nascida na Ucrânia em manter sua paixão pela escrita enquanto acompanhava o marido, Maury Gurgel Valente, em viagens diplomáticas.

Simone Evaristo, que além de atuar na peça também foi colega de faculdade da diretora Tobar, na Unicamp, pontuou a dificuldade que a autora de “A hora da estrela” teve em acompanhar o marido em viagens e jantares oficiais. “Sempre que ela estava mergulhando, ela tinha que sair rapidamente para viver o papel de esposa de diplomata”, comentou a atriz na roda de conversa que ocorreu após a apresentação da peça na última sexta-feira.

Na mesma roda que contou com a presença das duas atrizes e da diretora, Stella Tobar pontuou que “Minhas Queridas” é baseado no livro de mesmo nome que apresenta a coletânea de cartas. Mas Stella, que além de dirigir também fez a dramaturgia do espetáculo, comentou ter selecionado os 15 anos mais difíceis da vida de Clarice para desenvolver o roteiro.

Além de se frustrar pela falta de escrita durante as viagens diplomáticas, Clarice também teve que encarar a condição de mulher judia em um mundo assolado pelo antissemitismo da 2ª Guerra Mundial. Em uma carta encenada na peça, Clarice conta às irmãs que em um dos jantares do marido em Washington, um diplomata disse que conseguia sentir o cheiro de judeus de longe, no que a escritora respondeu que ele deveria estar gripado, já que estava sentado à frente de uma.

Com todos os obstáculos trazidos nas viagens do marido, Clarice começou a ser vítima do tabagismo na cidade de Berna, na Suíça, onde no texto do teatro as irmãs comentam que foi a cidade onde Clarice encontrou mais tristeza. “Eu tenho resolvido muita coisa com o cigarro, ele me dá paciência”, contou Clarice para as irmãs sobre a dependência do cigarro.

Além do fumo, Clarice também desenvolveu um vício por sedativos quando estava em Washington com o marido e os filhos. “Eu sei que eu tô gritando, mas eu não ouço os gritos”, clamaram as atrizes esta fala de Clarice para Tânia e Elisa, sobre o efeito que os sedativos tinham nela.

“Laços de família”

Foi em Berna, em meio à tristeza de não escrever e dolorosos jantares diplomáticos, que nasceu Pedro, primeiro filho de Clarice e Maury. Com a chegada da criança, a melancolia de Clarice cessou e o apetite da autora pela escrita voltou. As atrizes contam na peça que a escritora ficava com a máquina de escrever no colo enquanto cuidava de Pedro. “Se eu não fosse mãe, eu seria sozinha no mundo”, escreveu Clarice para as irmãs sobre a maternidade.

A peça também narra o nascimento do segundo filho, Paulo, em Washington, após a escritora brasileira ter voltado do Rio de Janeiro, cidade que amava e onde recolhia suas inspirações para os contos que produzia.

Foi durante a época na cidade americana, com o vício em sedativos e os dois filhos, que Clarice começou a escrever o livro “Laços de Família”, em que a maioria das personagens são mulheres e donas de casa que se sentem presas a este papel. Este contexto da vida pessoal da autora, que foi inspiração para o livro, foi comentado pela diretora da peça durante a roda de conversa.

Foi em 1959, que Lispector separou-se do marido e voltou para o amado Rio de Janeiro com os filhos. O texto de Stella Tobar também deu enfoque para a relação de Clarice com o pai, Pedro, que morreu em 1940, sem saber do sucesso da filha como escritora.

“A hora da estrela”

“Minhas queridas” termina com uma intervenção de Marilene Grama. A atriz sai de seu personagem de irmã ou mesmo de narradora das cartas, pega um tablet e declama uma carta de cunho pessoal que ela mesma escreveu para Clarice.

Uma curiosidade trazida no debate pós-peça foi que as duas atrizes leriam cartas suas para Lispector. Simone Evaristo falaria no início e a peça terminaria com a de Marilene. A carta de Simone foi cortada do início, mas a diretora não descarta a possibilidade de, quando a peça retornar com uma temporada ao vivo, a carta de Simone seja falada no início do espetáculo.

Além da intervenção final, para dar um alívio nos temas pesados que os anos difíceis da vida de Clarice traziam, as próprias atrizes faziam intervenções durante a peça em conversa uma com a outra, como: “Eu vou fazer a carta da Márcia”, ou “Eu ia dar uma pausa dramática”.

“Minhas Queridas” teve uma primeira temporada presencialmente com 16 apresentações no Sesc Pinheiros de São Paulo em janeiro de 2020. Por conta da pandemia, a peça foi gravada e agora está sendo transmitida gratuitamente pelo YouTube, sempre com discussões ao vivo após o espetáculo. No último final de semana, as rodas de conversa contam com Nádia Batella Gotib, biógrafa de Clarice, no sábado, e Paulo Flores, fundador da “Tribo de Atuadores Oi Nós Aqui Travêis”, de Porto Alegre, neste domingo.

Link para o canal da “Cia de Teatro Diversão e Arte”: https://www.youtube.com/channel/UC4ExQTVrr_CAxZOgLi1-50w

Orientação: Prof. Carlos A. Zanotti

Edição: Letícia Franco


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