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“Agora, eu sou uma parte da máquina, e os alunos, outra”, diz professora

Mariana Pinezi fala das dificuldades do ensino remoto e do descaso com a educação

 

Por: Fernanda Almeida

Em meio à pandemia do Covid-19, o ensino sofreu significantes mudanças tanto para os alunos quantos para os professores: salas de aula foram transformadas em ambientes virtuais, o contato olho a olho foi substituído por um mar de câmeras desligadas, e a tecnologia mostrou-se um desafio para muitos. Em comemoração do Dia do Professor, 15, o Digitais conversou por telefone com uma dos tantos profissionais de educação afetados pela pandemia, a professora Mariana Pinezi, 25.

“A educação é sempre secundária,” comenta a professora Mariana Pinezi (Foto: Acervo Pessoal)

A jovem docente, que já chegou a ter 400 alunos, em cinco escolas, de cinco cidades diferentes, teve de abdicar de alguns desses trabalhos em 2020 por conta da saúde mental. Ela esperava ter um ano mais tranquilo, mas o ensino remoto aumentou as tarefas e trouxe novas dificuldades: “Antes, eu me sentia mais parte do corpo vivo que é a escola. Os abraços, o tom do ‘bom dia’, ‘boa noite’, os alunos na porta da sala me esperando chegar. Tudo isso me ajudava a saber se estava tudo fluindo bem. Agora, eu sou uma parte da máquina, e eles, os alunos, outra. Mas nós não estamos diretamente ligados. É essa a impressão”.

Graduanda em letras pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e hoje professora de português do ensino médio em colégios particulares em Indaiatuba e Salto, Mariana conta que ainda possui dificuldade em balancear a vida pessoal com a profissional, mesmo após tantos meses no ensino remoto. E diz que os discursos que chamam os docentes de “preguiçosos” por pedirem segurança na volta às aulas revelam um descaso histórico não apenas com o professor, mas com toda a área: “Ontem o problema era corrupção, hoje é a pandemia, amanhã será outro. E a educação é sempre secundária. É chocante para mim como a educação é comentada, debatida, mas nunca valorizada”.

 

Digitais: Qual foi a sua maior dificuldade no ensino a distância?

A professora já chegou a ter 400 alunos e trabalhar em cinco escolas diferentes, antes de abdicar alguns desses trabalhos devido à saúde mental (Foto: Acervo pessoal)

Mariana Pinezi: Para mim, a dificuldade não foi a parte tecnológica, o que foi fator de limitação para muitos colegas de profissão. O que mais pegou foi o desafio de conseguir fazer a aula fluir num ritmo interessante, que não fosse monótono, usando apenas uma tela de computador. A ausência do olho no olho fez com que eu perdesse meu principal termômetro de como as aulas estão andando. É olhando no olho do aluno que a gente sabe se ele está entendendo, se a aula está sendo leve ou se a oração subordinada substantiva completiva nominal reduzida de infinitivo está virando um trauma irreversível. Só pela tela do computador, o retorno não é o mesmo, e às vezes dá insegurança.

E acho que outro ponto, que é mais grave, mas do qual eu tenho evitado reclamar, para não contaminar meu sentimento pelo trabalho, é a questão do volume de coisas para fazer fora do momento da aula propriamente dita, porque as burocracias triplicaram para o professor. São novas provas, novas atividades, e tudo toma um tempo maior do que antes. Há dias que acordo trabalhando e vou dormir trabalhando no computador.

E que dificuldades você observa nos alunos?

Para os alunos, acredito que a dificuldade foi conseguir se adaptar para cumprir as novas demandas com autonomia. É preciso assistir à aula sem o professor controlar. Ele precisa estar atento por si, fazer as lições por si, organizar o material e o tempo por si, e essa habilidade de autossuficiência não se desenvolve de um dia para o outro. Também tem a questão da disparidade entre o quanto o aluno consegue prestar atenção numa tela de computador e o quanto o professor consegue ser interessante do outro lado. É muito fácil e comum perder o interesse e não absorver o conteúdo. Se bem que isso é o que eu acho. Na pele dos alunos, a coisa deve ser muito mais profunda.

Você acha que o ensino a distância acabou afetando no aprendizado e no ensino também de forma positiva?

Neste ano, descobrimos que ainda não sabemos usar a tecnologia a favor da educação. Isso é bom demais para tirar os profissionais da área da educação da zona de conforto de fazer sempre a mesma aula; nós podemos e devemos explorar os recursos de mídia que estão cada dia mais presentes na vida dos nossos alunos. É disso que a BNCC [Base Nacional Curricular Comum] fala: inserir nas aulas o consumo, o domínio e a produção de conhecimentos digitais nas mais diversas áreas de conhecimento. Para isso, o professor também precisa dominar esses usos.

E de forma negativa?

O ponto negativo mais gritante é que o Brasil escancarou o abismo social na educação. Não que antes não soubéssemos disso, mas agora ficou mais evidente: mais da metade dos jovens e criança, principalmente de escolas públicas, não tiveram aulas; quando tiveram, não houve qualidade. Como levar educação de qualidade num modelo tecnológico a lugares a que não chega sequer saneamento básico? A educação está em débito com aqueles alunos que estão finalizando o ano sem terem tido a menor das oportunidades de receberem uma aula digna.

Em geral, você se sente valorizada pelos alunos em relação a essa adaptação às aulas virtuais?

Sabe que não sei? O ponto é esse: não temos um feedback claro. Tenho alunos que participam na aula: perguntam, respondem, leem o texto da aula, fazem tarefas, falam no microfone, escrevem no chat, mas são uma minoria. Eles me fazem sentir que meu trabalho não está sendo em vão. Por outro lado, me sinto arrasada de corrigir lotes de provas em que claramente houve cola, plágio, desdém. Também é vazio dar aula para apenas cinco pessoas, e as outras estarem mudas sempre.

E como fica a relação com os alunos?

A relação com os alunos não é como era: com olhos nos olhos, tudo é diferente, até o diálogo. Antes, eu me sentia mais parte do corpo vivo que é a escola. Os abraços, o tom do “bom dia”, “boa noite”, os alunos na porta da sala me esperando chegar. Tudo isso me ajudava a saber se estava tudo fluindo bem. Agora, eu sou uma parte da máquina, e eles, os alunos, outra. Mas nós não estamos diretamente ligados. É essa a impressão.

Tivemos várias falas tanto de admiração pelo trabalho que os professores vêm fazendo os, mas também tivemos críticas, como a do presidente, Jair Bolsonaro, chamando os professores de preguiçosos por defenderem a não reabertura das escolas. Você acha que este ano de desafios e adaptações trará uma visão mais respeitosa ao profissional?

A luta dos professores é histórica no país, na mesma proporção que ocorre a precarização do trabalho. Hoje, não vejo com olhos de muita esperança a situação, porque parece que sempre há alguma outra questão mais importante para receber holofote. Ao passo que poucas figuras dão apoio eficaz à educação neste momento difícil, com formação e reciclagem para professores, orientações sobre a tecnologia, existem figuras de alta patente, como a do presidente, que agem em desserviço ao país. Não é desserviço a mim pessoalmente, mas a qualquer cidadão que queira um país melhor. Se não por meio da educação, a humanidade é incapaz de dar passos significativos.

Com isso, percebemos que o buraco é mais embaixo: a desvalorização não é exatamente ao professor, é anterior a isso: é à educação. O professor é uma das peças mais importantes do quebra-cabeça, mas ele sozinho não pode fazer nada, porque apenas amar o que faz não muda a realidade de um país inteiro. Ontem o problema era corrupção, hoje é a pandemia, amanhã será outro. E a educação é sempre secundária. É chocante para mim como a educação é comentada, debatida, mas nunca valorizada.

 

Orientação: Profa. Juliana Doretto

Edição: Sofia Pontes


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