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Contrastes sociais se acentuam em Campinas, diz estudo

Apesar da queda na situação de pobreza, município mantém alto nível deconcentração de riqueza e exclusão socioeconômica

Vista aérea do Jardim Monte Cristo, região periférica de Campinas marcada por alta densidade habitacional e vulnerabilidade social (Foto: Carlos Bassan/Prefeitura de Campinas)

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Por André Galassi e Giovanna Laranjo

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Campinas, maior cidade do interior de São Paulo, com mais de 1 milhão de habitantes, apresenta um dos mais altos níveis de desigualdade de renda do país. Essa condição é confirmada pelo Índice de Gini, indicador utilizado internacionalmente para medir a concentração de renda em uma determinada população. O índice varia de 0 (igualdade total) a 1 (máxima desigualdade).

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Em 2024, o Brasil registrou um coeficiente de Gini de 0,50, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Já o último dado disponível para Campinas é de 2020, segundo o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil — plataforma mantida por Ipea, FJP e PNUD —, que indicou um índice de 0,55 para o município.

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Esse resultado comprova que Campinas tem desigualdade social superior à média nacional, com maior concentração de renda entre os mais ricos e maior distânciaentre os extremos da população. Segundo o mesmo levantamento nacional, os 10% mais ricos da população brasileira recebem, em média, 13,4 vezes mais do que os 40% mais pobres. Em cidades com maior índice de Gini, como Campinas, essa diferença tende a ser ainda mais expressiva.

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Um retrato urbano da desigualdade

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O contraste entre bairros de alta renda e regiões periféricas em Campinas é visível. Áreas como Cambuí e Nova Campinas reúnem rendimentos elevados, boa infraestrutura urbana e oferta ampla de serviços. Por outro lado, distritos como Campo Grande e Ouro Verde convivem com limitações no transporte público, acesso desigual à saúde e educação, além de oportunidades restritas de emprego qualificado.

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Para o economista Fabrício Pessato, da Saint Leo University Brasil, a desigualdade em Campinas tem raízes estruturais e se sustenta numa economia dual: de um lado, setores de ponta, como tecnologia, universidades e serviços especializados; de outro,atividades informais e pouco valorizadas.

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“Há um fosso entre quem está nos polos industriais e tecnológicos e quem atua em serviços de baixa qualificação. Esses trabalhadores têm rendas muito menores e poucas chances de mobilidade social”, afirma.

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Vozes da população

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A estudante Maria Vitória Soares, de 22 anos, mudou-se para Campinas em 2022 e relata como sentiu na prática o peso da desigualdade: “Para morar em Barão Geraldo, precisei dividir casa com outras pessoas. Alugueis mais baratos são inviáveis ou muito longe da universidade. E o custo de vida, especialmente com alimentação, é alto.”

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Ela destaca ainda que o retorno dos impostos em serviços públicos de qualidade seria essencial: “Ter transporte público decente e saúde humanizada já faria muita diferença.”

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Histórico reforça tendência

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A desigualdade em Campinas não é recente. Pesquisa da Faculdade de Ciências Econômicas da PUC-Campinas mostrou que, entre 1991 e 2000, o índice de Gini da Região Metropolitana de Campinas (RMC) aumentou de 0,48 para 0,52 — uma variação de 8,33%, superior ao aumento registrado no Estado de São Paulo (5,36%) e na média nacional (3,17%) no mesmo período.

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O engenheiro Gabriel Trindade, morador da cidade desde 1998, lembra das dificuldades do passado: “Na época, era difícil conseguir trabalho sem contatos. Hoje a cidade melhorou em alguns aspectos, mas a desigualdade ainda salta aos olhos. Quem chega precisa planejar muito bem a vida financeira.”

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Pobreza em queda, desigualdade resistente

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Apesar da alta desigualdade, Campinas teve em 2023 o menor índice de pobreza desde 2014, segundo a Síntese de Indicadores Sociais 2024, do IBGE. Naquele ano, 13,4% da população local vivia com renda inferior a US$ 6,85 por pessoa por dia, linha de pobreza estabelecida pelo Banco Mundial.

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Esse avanço se deve a programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, que atendeu 64 mil famílias em 2023 e 59,6 mil em 2024. A queda no número de beneficiários sinaliza uma leve melhora, mas ainda há cerca de 60 mil famílias que dependem do programa para suprir necessidades básicas.

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A Prefeitura de Campinas também opera iniciativas locais, como o Renda Campinas (auxílio financeiro a famílias de baixa renda) e o Cartão Nutrir (benefício para compra de alimentos essenciais).

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Para Pessato, reduzir a desigualdade requer políticas públicas de longo prazo e maior compromisso fiscal progressivo: “É preciso investir em educação, qualificar o trabalho e redistribuir melhor a arrecadação. Impostos sobre grandes fortunas e políticas de Estado são caminhos possíveis para mudar esse quadro.”

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Edição: Nicole Heinrich

Orientação: Artur Araujo

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