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No palco ou fora dele, a arte drag usa o humor para desconstruir preconceitos e transformar a luta por igualdade em um espetáculo inclusivo e vibrante
Por Júlia Garcia
A comédia sempre foi uma aliada poderosa na luta contra o preconceito, e para as drag queens, que desde os seus primeiros passos no mundo artístico enfrentaram estigmas e discriminações, a comédia se apresenta não apenas como uma forma de entretenimento, mas como um ato de resistência diante dessa realidade.
A arte drag é uma expressão artística que desafia e reinventa as normas de gênero, trazendo à cena personagens criativos. Longe de estar vinculado à orientação sexual, o universo drag é uma celebração da cultura e da arte acessível para todos. Com performances que combinam dublagens, dança, comédia e dramatização, cada apresentação é um espetáculo único que reflete a personalidade e o estilo de cada artista.
Paulo Gustavo, um ícone da comédia brasileira, costumava dizer: “Rir é um ato de resistência”, um lembrete de que o humor, além de entreter, também pode mudar perspectivas. Mais do que uma forma de entretenimento, o riso tem o potencial de aliviar o estresse, renovar esperanças e, ao mesmo tempo, trazer a realidade que muitas vezes é ignorada.
No Azzur Lounge Bar, localizado em Campinas, a arte drag é celebrada como uma manifestação inclusiva e transformadora. Ewister Rodrigues Barboni, representante do bar e apoiador do projeto “Stand Drag”, destaca que o espetáculo não é apenas para diversão. “É um ato de resistência! A gente desmistifica o papel das drag queens na sociedade e mostra que a arte drag vai além da comunidade LGBTQIA+”, explica.
A proposta do “Stand Drag” vai além de um passa tempo, ela cria um ambiente de acolhimento, onde a diversão se alia à reflexão. Oferecendo, inclusive, um camarim especial para que o público experimente a sensação de se montar como drag, o Azzur promove a festa das atrações e da diversidade. “Resista, chore e seja você mesmo!” é o convite que Ewister deixa a todos que desejam vivenciar a liberdade que a arte proporciona.
Silvetty Montilla é referência nacional no universo drag, com mais de 30 anos de carreira e quase três décadas dedicada à comédia. Ela própria encara o humor como uma forma de refletir, “Tudo que você fala com humor, eu acho que é tudo muito mais fácil para entrar na cabeça das pessoas, para fazer elas enxergarem de uma outra forma e ter o respeito pelo trabalho. Eu acho que com humor é tudo muito mais leve e divertido”. Silvetty acredita que através da arte é possível evidenciar aquilo que muitas vezes é ignorado,“Eu acho que com a nossa arte a gente pode mostrar tudo” destaca.
Vinicius Silva, conhecido no mundo da arte drag como Aqua, desafia os estereótipos com sua aparência única — careca e barbada — desde que foi lançado nesse universo, há oito anos. Para Aqua, a arte drag é muito mais que uma performance; é um grito de liberdade. “A arte drag, não é livre apenas pro homem gay fazer. O homem hétero pode fazer, a mulher hétera pode fazer, o gay pode fazer, a lésbica pode fazer, a trans pode fazer, o trans pode fazer. Quem quiser pode fazer, porque a drag é o seu trabalho, é o seu personagem. Não é quem você é quanto a gênero, ou quanto a escolha sexual, ser drag é inspirar e ser quem você quiser ser”, afirma.
Aqua já foi apresentada ao lado de grandes nomes internacionais, como Sasha Velor e Shangela, além de artistas brasileiros, como Gloria Groove e Pepita. Em cada uma dessas experiências, ela testemunhou o poder transformador da arte drag, que desafia normas e molda a percepção sobre o que significa ser drag. “Essas drags abriram muitas portas no Brasil, são artistas que trouxeram reconhecimento nas novelas e na rede nacional, elas caminharam muito para chegar onde estão,” declara Aqua.
Resistência no Brasil: Comunidade LGBTQ+
O Brasil há 14 anos é considerado um dos países que mais mata pessoas LGBTQIA+ no mundo. Segundo dados do Grupo Gay da Bahia (GGB), só em 2023 foram registrados 257 assassinatos de pessoas LGBTQIA+. Entre as vítimas, 127 eram pessoas trans e 118 homens gays, além disso a pesquisa mostrou que a cada 34 horas, uma vida é perdida devido à violência motivada pelo preconceito.
Ainda assim, a resistência da comunidade LGBTQIA+ segue firme. O GGB destaca que cerca de 20 milhões de brasileiros e brasileiras se identificam como LGBTQIA+, 10% da população, o que significa que a luta por direitos e visibilidade tem ganhado novas frentes, como a arte drag.
Em 2023, um avanço importante foi a reativação do Conselho Nacional LGBTQIA+, no entanto, o cenário ainda exige cautela e mobilização. De acordo com pesquisa da organização Gênero e Número, com o apoio da Fundação Ford, 92,5% das pessoas LGBTQIA+ relataram aumento da violência contra a comunidade. Diante disso, a resistência também se traduz em atos culturais e políticos que desafiam o preconceito e transformam a dor em luta.
Nesse cenário, a resistência também ganha novas formas e núcleos. Seja em palcos como o “Stand Drag” ou em espaços cotidianos, a comédia drag reafirma que o humor pode ser uma ferramenta de resistência poderosa, capaz de desconstruir preconceitos e de transformar a luta por igualdade em um ato vibrante e colorido. “O humor é uma ferramenta de libertação, usada de forma cuidadosa para tocar a sensibilidade de cada um, sem nunca perder o compromisso com a inclusão e o acolhimento”, ressalta Ewister Barboni.
A Drag Queen, Aqua, compartilha sua trajetória como artista, revelando como o personagem nasceu e se tornou uma poderosa ferramenta de desconstrução. Com uma estética ousada e performances marcantes, Aqua conta sobre os desafios e as conquistas que marcaram seus oito anos de carreira.
Orientação: Profa. Karla Ehrenberg
Edição: Mariana Dadamo
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