Destaque

Islamofobia traz desafio para imparcialidade da imprensa 

Ataques terroristas de 11 de setembro reforçaram preconceitos contra os árabes e muçulmanos na mídia

Por Cleópatra Maziero Georges 

Jamile, então com nove anos, se encontra atrás de seus pais (Foto: acervo da família)

Após o ataque de 11 de setembro de 2001, árabes e muçulmanos passaram a enfrentar preconceitos amplificados, segundo a análise de uma acadêmica, um jornalista e uma imigrante árabe. A cobertura midiática na época destacou elementos que, de acordo com a professora Katia Nishimura, doutora em Ciências Sociais pela Unicamp, reforçaram estereótipos negativos sobre o mundo árabe. O jornalista Marcelo Pereira, que acompanhou o evento em Campinas, comentou a responsabilidade da mídia em evitar associações indevidas. Já a síria Jamile Georges destacou que, embora o preconceito tenha se intensificado, ela acredita que a sociedade hoje está mais esclarecida. 

Divisor de águas 

“Todas as pessoas que tinham uma aparência física que lembrava pessoas do Oriente Médio, passaram a ser vistas como potenciais terroristas”, afirmou Nishimura. Ela acrescentou que “essa cobertura foi um divisor de águas”. 

Nishimura destacou que o 11 de setembro evidenciou uma divisão entre Ocidente e Oriente, na qual o primeiro passou a ser associado a valores de paz e modernidade, enquanto o segundo, e especialmente o mundo árabe, foi visto como arcaico e violento. “Todos os aliados dos Estados Unidos passaram a adotar medidas de liberação de visto muito mais demoradas”, declarou. 

Epopéia 

Manchetes do jornal Correio Popular em 2001 mostram atentado terrorista em Nova York e assassinato do então prefeito Toninho, de Campinas, no dia anterior (Foto: acervo pessoal)

Para o jornalista Marcelo Pereira, no dia 11 de setembro de 2001, Campinas acordou sob o impacto do assassinato do prefeito Antônio da Costa Santos, o Toninho, ocorrido no dia anterior. A cidade estava em luto quando a notícia dos atentados terroristas em Nova York foi transmitida ao vivo pela televisão. Então editor-executivo do Correio Popular, Pereira relatou como esses eventos transformaram o trabalho na redação em uma verdadeira “epopeia para fechar aquele noticiário”. Sem a tecnologia atual, a equipe precisou recorrer a orelhões para confirmar as informações sobre o assassinato, trabalhando até as 4 da manhã, apesar de o fechamento estar previsto para a meia-noite. 

Pereira explicou que, no dia seguinte, o jornal trouxe duas manchetes na capa — uma para o atentado nos Estados Unidos e outra para o velório do prefeito. Foram “praticamente 48 horas em que o jornalismo foi testado”, descreveu, enfatizando o cansaço e o estado “anestesiado” com que terminaram os trabalhos. 

Pereira também comentou o efeito duradouro que o 11 de setembro teve na representação dos árabes pela mídia ocidental, apontando que muitos veículos ajudaram a disseminar uma visão distorcida que associa terrorismo ao povo muçulmano. “Há uma cultura e um preconceito enraizados”, afirmou. Segundo ele, cabe ao jornalista “estar vigilante” para evitar reproduzir estereótipos e preconceitos, reconhecendo a responsabilidade de construir um texto objetivo e equilibrado. 

Atualmente, Pereira acredita que o jornalismo evoluiu, especialmente com o advento do mundo digital, que possibilita o acesso a uma gama maior de informações. Essa mudança, segundo ele, “nos tornou profissionais melhores”, com mais oportunidades para refletir sobre o impacto e a imparcialidade das coberturas. 

“[Foram] praticamente 48 horas em que o jornalismo foi testado”, comenta Marcelo Pereira, editor-chefe do Correio Popular sobre os acontecimentos daqueles dois dias (Foto: acervo pessoal)

Suspeitas e desconfianças 

Jamile Georges, professora aposentada de 83 anos, imigrou da Síria para o Brasil em 1951. Em entrevista ao Digitais, ela relatou que o preconceito contra árabes no país sempre existiu, embora de maneira diferente. No início, os comentários dos colegas de escola eram rotineiros — a chamavam de “turca” e “cabeça de pano” —, mas não chegaram a afetá-la profundamente. “Não era preconceito de verdade, depois viraram amigos”, contou Jamile, que cresceu em Novo Horizonte, cidade com uma forte comunidade árabe. 

Segundo Jamile, no entanto, o preconceito se intensificou depois dos atentados de 11 de setembro. Ela mencionou que o primo, ao viajar a serviço, enfrentou suspeitas e desconfianças. “Foi um caos! Sofreram bastante”, disse, reforçando que o estigma dos árabes como terroristas se agravou após o ataque. Jamile também acredita que a mídia contribuiu para essa visão equivocada, mas ressalta que, ao longo dos anos, a compreensão sobre as diferenças culturais tem aumentado, com mais pessoas entendendo que nem todo árabe é muçulmano ou terrorista. Para Jamile, o povo árabe é “muito hospitaleiro, muito amoroso”, e ela espera que essa imagem negativa seja superada.  

Edição: Mariana Neves

Orientação: Prof. Artur Vasconcellos


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