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Agricultura urbana ganha novo conceito com a horta do Jardim Guanabara, em Jundiaí, e promove a educação, a saúde e a solidariedade
Por: Marina Fávaro
Imagine caminhar por uma cidade onde, entre o concreto e o asfalto, brotam hortas verdes, repletas de verduras, legumes, temperos e frutas. Em Jundiaí, a pouco menos de 50 quilômetros da capital paulista, essa cena já é uma realidade em vários espaços do município. As hortas urbanas não apenas embelezam a paisagem, mas também promovem a sustentabilidade e o acesso a alimentos frescos.
Criado por meio de uma iniciativa do Departamento de Urbanismo da Unidade de Planejamento Urbano e Meio Ambiente, o Programa Horta Urbana surgiu em resposta a uma demanda da população, que sentia falta do contato com a natureza. Sylvia Barbosa Angelini, arquiteta e diretora do departamento, explica que a horta representa uma solução para diversos problemas “a falta de uso de terrenos públicos na área urbana, que deixam de cumprir a função social e ambiental; a insegurança alimentar e os hábitos alimentares pouco saudáveis da população devido à dificuldade de acesso a alimentos frescos; e a falta de contato com a natureza, especialmente entre crianças e jovens”.
Hoje, as hortas estão distribuídas por toda a cidade de Jundiaí, abrangendo bairros como Novo Horizonte, São Camilo, Vila Nambi, Fazenda Grande, Cecap, Jardim do Lago, Jardim Tamoio, Caxambu, Vila Maringá, Alvorada e Anhangabaú. Há, porém, um desejo de expandir ainda mais o alcance desse projeto, segundo Sylvia.
Moradora do Jardim Guanabara há mais de 50 anos, Luiza Expedita Gomes é a guardiã da horta comunitária local, oficialmente reconhecida pela Prefeitura como permissionária. O Jardim Guanabara é um bairro residencial na região oeste da cidade, onde vivem famílias em situação de vulnerabilidade social. Dona Luiza, como é conhecida, traz consigo a sabedoria adquirida na roça, onde nasceu e cresceu. Nascida em Minas Gerais, ela se mudou para Jundiaí em 1973 após se casar, acompanhada do marido, também mineiro, que trabalhava em uma fábrica local. Juntos, tiveram três filhos.
A história da horta no Jardim Guanabara começou no ano de 2021. Emocionada, Dona Luiza conta que, na época, o marido tinha falecido vítima de Covid-19. “Eu estava sem chão”, diz. Nesse momento delicado, Daniel Lemos, o vereador do bairro, convidou Dona Luiza para assumir o cuidado do terreno, como uma forma de ajudá-la a enfrentar o luto. “Foi uma maneira de trazer algum conforto e distração para ela”, relata. Hesitante no início, Dona Luiza, após refletir junto aos filhos, aceitou o desafio.
Para tornar-se permissionária da horta, Dona Luiza precisou concluir cursos de manejo e cuidados agrícolas oferecidos gratuitamente pela Prefeitura. Depois de cumprir essa etapa, ela assinou a documentação e, para sua surpresa, descobriu que a horta havia sido batizada como “Teodoro da Silva Gomes” em homenagem ao seu falecido marido.
Inicialmente, o terreno possuía solo pouco fértil, mas, com o auxílio dos técnicos da Prefeitura, ela transformou o espaço em uma área produtiva; aplicou o que aprendeu nos cursos, complementando com suas próprias descobertas e experiências. “Aquele vaso ali é de poejo. Plantei direto no chão, mas ele não vingava de jeito nenhum. Um dia, resolvi colocar no vaso, e agora está uma belezinha”, conta.
Embora a Prefeitura fornecesse o terreno e os cursos, todos os outros custos foram assumidos por Dona Luiza. Para custear insumos, como mudas de verduras, ela vendia doces e queijos na vizinhança. “Hoje, vendemos as verduras e todo o dinheiro é revertido na compra de novas mudas”, explica. A horta também depende muito de doações: uma fábrica próxima disponibilizou energia elétrica para a pequena casa de ferramentas, e a água da chuva é coletada e reaproveitada para irrigar as plantas. Devido à seca e à falta de chuvas, a Prefeitura começou a fornecer água adicional para os canteiros. Além disso, a Prefeitura contribui com o cavaco – que é resultado das podas das árvores – para enriquecer o adubo orgânico produzido, que inclui borra de café e cascas de ovos trazidas pelos moradores. A aquisição mais recente da horta foram os sombrites para proteger as plantas.
Dona Luiza caminha todos os dias até a horta para cuidar dos canteiros. “É pertinho! Só desço aquela rua e em cinco minutos estou aqui”, diz ela. Durante as manhãs, um grupo de mulheres da comunidade cuida das tarefas, enquanto Dona Luiza assume no período da tarde. Aos 80 anos e lidando com um recém-descoberto câncer, ela conta também com o apoio de Benedito Vicente da Silva, conhecido como Seu Benedito. Há mais de 20 anos, ele transformou o local antes abandonado em um pequeno espaço verde. “Era um terreno baldio: um grande depósito de lixo e ponto de prostituição e droga, além de esconder ladrão. Então, um dia decidi invadir o terreno e comecei a plantar feijão guandu”, relembra.
Quando a Prefeitura formalizou o espaço como horta, ele continuou com o seu trabalho voluntário, limpando o terreno e ajudando no cultivo. Antes e depois do turno na fábrica, Seu Benedito dedica seu tempo aos canteiros, tirando as ervas daninhas. Ele, que se autodenomina “um agricultor velho lá do Nordeste”, explica que a horta representa um refúgio em sua vida. “É a melhor coisa que eu já fiz. Se eu fico um dia sem vir, não durmo direito e fico triste. Preciso vir, nem que seja à noite, como se fosse um espírito caminhando pela horta”, diz, rindo.
A horta comunitária também se tornou um importante espaço educativo graças à uma parceria com a Escola de Educação Básica Professor Nelson Álvaro Figueiredo Brito, que busca aproximar as crianças da natureza, conforme previsto em uma das diretrizes educacionais do munícipio. “A horta surgiu como uma oportunidade de brincar ao ar livre e de interagir com o ambiente natural”, explica Ana Perboni, que é coordenadora pedagógica da escola. Semanalmente, os alunos visitam a horta para desenvolver atividades integradas ao currículo escolar.
Para tornar a experiência mais envolvente, há canteiros exclusivos para as crianças. “Cultivamos os vegetais escolhidos e pesquisados pelas crianças, que acompanham o desenvolvimento das plantas até a colheita”, diz. Ela conta que os alunos já desenvolveram um profundo carinho pela horta e por membros da comunidade que a mantêm, como Dona Luiza. “Esse espaço é como uma extensão da escola, um ambiente de aprendizagem tão importante quanto a sala de aula. Aqui, eles podem pesquisar, experimentar e vivenciar a natureza de perto”, destaca.
Além de incentivar o vínculo com a terra e o respeito ao meio ambiente, o projeto também promove a alimentação saudável, ajudando a aumentar a aceitação de legumes e verduras entre as crianças. “É diferente comer algo que eles mesmos plantaram. Faz toda a diferença. Eles plantam, colhem e, depois, levam para a mesa, onde tudo é preparado com carinho pelas nossas cozinheiras”, afirma Ana.
Além da parceria com a escola, a horta comunitária também estabeleceu uma colaboração com a Unidade Básica de Saúde (UBS) do Jardim Guanabara, integrando as áreas de meio ambiente, alimentação saudável e saúde. A parceria resultou na construção de um jardim terapêutico, que conta com boldo, manjericão, hortelã, capuchinha, entre outras plantas medicinais.
Ana Claúdia Jordão, representante da UBS, explica que o trabalho com a horta valoriza e resgata saberes populares, especialmente por meio da inclusão de plantas medicinais no tratamento de diversas condições de saúde. “A equipe desenvolveu os canteiros e escolheu as mudas das plantas medicinais e aromáticas de interesse da comunidade.
Após o período de desenvolvimento das plantas, ações começaram a ser implementadas”, detalha. Uma das principais atividades envolve oficinas com idosos, que caminham até a horta com o auxílio de um educador físico. “Além do educador, temos uma psicóloga que introduz temas relevantes para a discussão nas oficinas e uma farmacêutica que apresenta as plantas e orienta sobre como utilizá-las”, conta Ana Claúdia.
Luciana Dogo, voluntária na elaboração da horta, é catequista na comunidade Santa Cruz, da Paróquia São José Operário, e utiliza a horta como um espaço pedagógico, levando os alunos para ensinar lições de vida através dos ensinamentos de Jesus. “Precisávamos de um espaço para que as crianças pudessem ter contato com a natureza”, diz Luciana.
Ela acredita que a Bíblia está repleta de parábolas que abordam a importância das sementes e do cultivo, refletindo sobre como cuidar de uma horta se assemelha ao cuidado que devemos ter com nossas próprias vidas. “Quando cuidamos da terra, adubamos, plantamos as sementes e acompanhamos o crescimento das plantas, fazemos um paralelo com nossa própria existência. Devemos cuidar das sementinhas que plantamos em nossas vidas e das pessoas ao nosso redor”, afirma.
Luciana enfatiza também a importância de apresentar às crianças um senso de responsabilidade, fazendo com que compreendam que, assim como Jesus ensinou aos discípulos a cuidarem dos outros, elas também devem cuidar do mundo ao seu redor. “Falamos sobre o cuidado com a casa comum”, explica Luciana, ressaltando que o compromisso com a natureza e as pessoas é fundamental para formar cidadãos conscientes e solidários.
Dona Luiza admite que, apesar das conquistas, as dificuldades são muitas. A horta precisa de mais pessoas para ajudar nas tarefas, especialmente à tarde. “Se eu pudesse, eu ficava aqui 24 horas por dia, mas também preciso cuidar da minha saúde”, comenta. Ela destaca que, embora alguns moradores se envolvam, a comunidade como um todo ainda não está plenamente engajada, o que limita a colaboração e o apoio necessário para manter a horta em plena atividade. Para Dona Luiza, a horta é tudo. Ela adora conversar com suas plantas e sente uma conexão profunda com elas. Ela também vê a horta como uma forma de ajudar a comunidade, fornecendo um lugar para que as pessoas se reúnam e adquiram alimentos frescos.
Orientação: Profa. Rose Bars
Edição: Marina Fávaro
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