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Em 18 anos, projeto de Americana revelou goleiros profissionais e impactou a vida de ex-alunos
Por: Lucas Ardito e Rean Lima
A Escola de Goleiros Camisa 1, localizada em Americana, a 136 km da capital paulista, foi a primeira em todo o Brasil a trabalhar de forma exclusiva em treinamentos para a posição. Para além do pioneirismo, o projeto se destaca pelo caráter humanizado de seus trabalhos, que focam no desenvolvimento pessoal de seus alunos há 18 anos.
Ao longo deste período, a escola revelou goleiros profissionais e impactou a vida de pessoas que não seguiram a carreira de atleta. O quadro do projeto é composto por oito professores e três estagiários, que atendem de forma gratuita 150 alunos de sete a 17 anos. Atualmente, 130 crianças e jovens estão na lista de espera para ingressar na Camisa 1.
O projeto foi iniciado em 7 de novembro de 2005, no Complexo Poliesportivo Milton Fenley Azenha, o Centro Cívico de Americana, com o apoio da Secretaria de Esportes. O fundador e coordenador da Camisa 1, Vander Batistella, que à época era preparador de goleiros do Rio Branco, relembra que o primeiro dia de treinamentos foi cercado por incertezas, especialmente por questões climáticas.
“Foi muita luta para aquele dia, para a inauguração. Aí amanhece o dia e começa a cair uma “tromba d’água” em Americana. Foi um balde de água fria nas minhas expectativas e, mesmo assim, nos encontramos com o pessoal da Secretaria de Esportes”, disse. Assim, a aula inaugural teve de ser transferida do campo para o ginásio coberto do Centro Cívico.
“Bateu 8h e começou a chegar gente perguntando se ia ter mesmo e começamos a encaminhar o pessoal para o ginásio. Lembrando disso, eu fico até emocionado porque aquele dia foi inesquecível. Os alunos e os pais chegaram e pudemos inaugurar naquele momento, mesmo com aquela chuva”, completou Vander.
Posteriormente, as aulas passaram a ser no centro de treinamentos da Camisa 1, localizado no bairro Chácara Machadinho. Desta forma, além de ser a primeira escola para goleiros do Brasil, o projeto passou a ter o primeiro centro de treinamentos de toda América do Sul.
Da Camisa 1 para a seleção brasileira
Ao ingressar na Escola de Goleiros, os alunos sonham em chegar ao topo da cadeia e ser um atleta profissional. Daniel Fuzato, goleiro de 26 anos que defende o Getafe, da Espanha, é um dos jogadores revelados pela Camisa 1. Ele iniciou sua trajetória aos nove anos e permaneceu até os 12, quando deixou o projeto para defender a base do Palmeiras.
Apesar de não ter entrado em campo profissionalmente pelo alviverde, Fuzato se transferiu para a Roma, da Itália, em 2018. Um ano depois, foi convocado para defender a seleção brasileira pelo técnico Tite em dois amistosos, mas sem entrar em campo. Mesmo com o bom currículo conquistado, o goleiro não esperava se tornar profissional quando se matriculou na Camisa 1.
“Não sentia que poderia ser goleiro profissional, mas sabia que ali seria um caminho em que teria uma evolução diferente, me aprimoraria tecnicamente e estaria mais perto de passar nas avaliações nos clubes e realizar o meu sonho de ser jogador”, disse à reportagem.
“Para mim é um trabalho completo. O jovem pode encontrar uma oportunidade para crescer tanto na parte pessoal quanto na realização de um sonho. Sabemos a dificuldade para se tornar jogador de futebol e, por isso, a formação do ser humano vem antes de tudo e os pais podem encontrar esse ambiente para os seus filhos na Camisa 1”, completou Fuzato.
Outro ex-aluno impactado pela Escola de Goleiros é João Zuin, de 24 anos, que iniciou no projeto aos 10, nutrindo o sonho de se tornar profissional. Enquanto treinava, passou por times da Região Metropolitana de Campinas (RMC) como Rio Branco e União Barbarense, mas não seguiu carreira.
Quando completou 17 anos, idade limite para ser aluno, foi convidado por Vander Batistella para ser professor da Camisa 1. A escola, em parceria com a Faculdade de Americana (FAM), bancou os estudos de Zuin, que hoje é formado em educação física.
“Foi o Vander quem me guiou e abriu os meus olhos, fazendo eu decidir seguir a minha carreira profissional. A Escola de Goleiros foi fundamental para mim nessa questão dos estudos e do projeto, porque foi através dela que eu tive a oportunidade de ingressar na faculdade, por meio de uma parceria que eles fizeram. Isso foi muito importante para a minha vida e para a minha carreira, porque se não fosse a Escola de Goleiros eu não estaria onde eu estou hoje, não seria a pessoa que sou hoje”, afirmou.
‘A gente quer formar cidadãos’
Zuin ressalta que o trabalho feito na Camisa 1 busca o desenvolvimento pessoal dos alunos, independentemente da profissionalização como atleta. Às segundas-feiras, por exemplo, antes de ir ao gramado os jovens participam de um momento de leitura, palestras ou exibição de vídeos voltados à educação.
“Os valores pregados dentro da Camisa 1 são de suma importância, porque além de formar goleiros, a gente quer formar cidadãos. É claro que a gente acredita no sonho dos garotos, mas sempre colocando ali um plano B. Eu, sinceramente, quando era aluno não tinha esse plano B, então eu já digo para eles terem esse plano B para não cometer o mesmo erro que eu”, finalizou o professor.
O trabalho humanizado é um diferencial para o desenvolvimento das crianças e jovens, de acordo com a pedagoga, psicopedagoga, neuropsicopedagoga e psicóloga Valéria Evangelista Martinez. Ela atua no Espaço Aprendendo a Aprender, em Paulínia, e é especialista em educação inclusiva com especialização em abordagem sistêmica.
“É de extrema importância esse projeto do futebol na vida das crianças, do desenvolvimento infantil. Porque hoje, o tempo que essas crianças têm, elas ficam com o celular na mão, frente à televisão, não fazem uma atividade física. É aquela brutalidade de jogos que fazem a criança ficar mais agitada, a ansiedade aguçada, não deixa a criança liberar essas ansiedades e angústias que elas têm”, explicou.
De acordo com o observatório de Saúde na Infância, que reúne pesquisadores da Fiocruz e do Centro Universitário Arthur de Sá Earp Neto (Unifase), 14,2% das crianças brasileiras de até cinco anos apresentavam sobrepeso ou obesidade em 2022, ano mais recente da pesquisa. Além disso, 31,2% dos adolescentes estavam com sobrepeso ou obesidade.
Referência para quem entende
O ex-goleiro Argelino Donizetti Quagliato, o Zetti, ídolo do São Paulo e com convocações para a seleção brasileira, vê a Camisa 1 como referência para a formação de novos goleiros, especialmente pela capacitação no aspecto pessoal. Inspirado pelo projeto de Americana, ele fundou há 17 anos a Academia de Goleiros Fechando o gol, em São Paulo.
“Diante das dificuldades que os meninos têm, dos garotos que sonham em ser jogador ou um atleta, estar inserido no meio do esporte de alguma forma, eu acho que é muito importante esse desenvolvimento que vem sendo feito há tanto tempo pela Camisa 1. Além de abrir oportunidades de outros profissionais entenderem esse processo e darem continuidade”, disse.
“As oportunidades que têm neste projeto são fantásticas, acho que independentemente de se tornar um profissional ou um atleta, quase todas as instituições pensam no ser humano, na formação daquele cidadão, para inseri-lo no mercado. Isso depende muito da maneira em que é feito esse trabalho, não só voltado para o futebol, como goleiro, mas também ensinar outras modalidades e práticas da profissão. Isso é fantástico”, finalizou Zetti.
A Escola de Goleiros Camisa 1 conta com 20 voluntários que, ao lado de Vander Batistella, atuam na diretoria do projeto, auxiliando na manutenção e melhorias dos espaços, assim como demais projetos da escola, como o de futebol de campo. A Camisa 1 Futebol atende 270 jovens no Campo do Laranja, no bairro Jardim São Paulo, também em Americana.
Além das colaborações de voluntários, o projeto é mantido por meio da Lei de Incentivo ao Esporte, tanto do Governo do Estado de São Paulo quanto do Governo Federal. Desta forma, a
Escola de Goleiros consegue captar recursos por meio de empresas, que repassam parte do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) aos projetos que são aprovados pela Lei de Incentivo.
Para o futuro, a Camisa 1 planeja aprimorar sua estrutura, construindo novos vestiários e alojamento para cerca de 15 goleiros. Além disso, o objetivo é ter um espaço dedicado à psicologia e recuperação de atletas. De acordo com o secretário de Esportes de Americana, Pedro Peol, a pasta busca auxiliar o projeto.
“É a primeira escola de goleiros do Brasil e está aqui em Americana. Para a gente é muito gratificante, conheço o trabalho do Vander e de toda a sua equipe, a gente só tem que agradecer pelo trabalho que eles fazem para as nossas crianças e adolescentes. A prefeitura sempre está procurando fazer de tudo para que eles possam desenvolver um ótimo trabalho aqui na Escola de Goleiros Camisa 1”, afirmou.
Orientação: Prof. Gilberto Roldão
Edição: Giovanna Sottero
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