Destaque
O projeto promove a inclusão e constrói uma rede de resistência ao fast fashion
Por: Gabriela Belloto e Maria Eduarda Matoso
Localizada no bloco G-H da Moradia Estudantil da Unicamp, o Ateliê TRANSmoras vem promovendo desde 2013 mudanças sociais, entre as quais se destacam as formações e oficinas com foco nos públicos travestis, mulheres trans/cis pretas e demais pessoas transgêneros, trazendo a ‘pedagogia do lixo’. “As oficinas são movimentos de acolhimento, de criação de imaginários possíveis para as pessoas ditas como diversidade”, conta Vicenta Perrotta, fundadora e CEO do Ateliê TRANSmoras. Vicenta ministra a oficina sobre “Corte, Costura e Transmutação Têxtil”, refletindo sobre o papel da roupa no mundo e mostra como dar vida a peças já existentes, diferentemente do gigantesco volume gerado pela Fast-Fashion.
Por conta da busca por opções economicamente viáveis durante mudanças de tendências frenéticas no mundo da moda, os consumidores de fast fashion adquirem roupas que, segundo o relatório de março de 2023 do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, são utilizadas apenas durante metade do tempo, enquanto a compra é de 60% a mais desde os anos 2000.
Para Vicenta o Fast-Fashion é um mecanismo de alienação para essas pessoas, onde elas também conseguem estar num lugar que não precisam pensar. Ela chega, compra e depois joga fora. É um ciclo. Sendo assim, esse descarte se torna vicioso pela necessidade de seguir a tendência do momento de acordo com o que é mostrado no mercado da moda. “Mas, infelizmente, a moda não mostra o compromisso de destruir o paradigma de exclusão de diversos tipos de corpos. Uma pessoa PCD não pode estar lá, porque não vai ter roupa para ela. Uma pessoa trans não pode estar lá, porque ali vai definir quem é cis,” contesta a fundadora. O termo trazido por Vicenta chamado Transmutação Têxtil, que permite por meio daquilo que sai da indústria, ser transformado em peças que adequam a algo que não se pensava que poderia ter tal função, ao mesmo tempo que possibilita um campo de visão que é excluído pela tendência.
Segundo a quarta edição do relatório de impacto do ateliê TRANSmoras, em 2022 foram 181 pessoas impactadas diretamente, essas sendo as que participaram em oficinas, desfiles e cursos, com aumento de 18,3% em relação a 2021. Do outro lado foram de 895 para 2421 pessoas impactadas indiretamente, um aumento de 170%, essas sendo aquelas que visualizaram produtos culturais, como desfiles no Youtube e audiência em eventos físicos. “Como um projeto que constrói movimentos, foi possível ver como ex-alunes e residentes conseguiram ocupar outras esferas. Tem vários alunes que estão aplicando os ensinos, se tornando estilistas. Integrantes do ateliê estão expondo em lugares fora do Brasil”, conta Vicenta.
Para Kauan dos Santos, técnico em modelagem de vestuário e trabalhando atualmente na área de direção de arte do projeto CRIAR, um instituto que tem como missão promover o desenvolvimento profissional, sociocultural e pessoal de jovens por meio do audiovisual e da tecnologia, teve seus primeiros contatos com a Transmutação Têxtil desde o começo do seu envolvimento no mundo da moda em 2020, quando seus estúdios realmente começaram.
“Além de eu ter sido apresentado ao termo de uma forma digital, foi de uma forma muito real e por uma das melhores pessoas que eu poderia aprender, que é a Vicenta Perrotta em uma de suas aulas”, comenta. A percepção de compreender que uma peça poderia ser modificada para novas funções tornou-se grandioso para que Kauan realmente entendesse e isso mudasse sua vida ao transformar peças em acessibilidade. “É uma forma de poder dar uma liberdade criativa pra pessoas que são marginalizadas a não poder acessar esse ramo da moda,” explica Kauan. No mundo da moda, a Transmutação Têxtil foi, para Kauan, como uma nova forma de poder enxergar.
Movimento contra hegemônico
As roupas que são produzidas dentro do ateliê são vendidas em feiras, como um ato de manifestação e ocupação. “As feiras de rua também são um processo de ocupar o espaço público, feiras que são organizadas para apoiar artistas” conta Vicenta. Visto que os meios de produção vêm construindo ao longo do capitalismo a padronização de pensamentos, o projeto vai além do “empreendedorismo” combatendo a necropolítica que marginaliza e oprime corpos trans. O ateliê usa da sua influência para tirar pessoas da vulnerabilidade social. “É um processo de construção autônoma de sobrevivência, a partir disso a gente desenvolve tecnologias onde temos uma rede de apoio” diz ela, enfatizando sobre o funcionamento do ateliê. “Quando uma pessoa compra uma roupa nossa, ela está fazendo parte da nossa rede de apoio” completa. “Diariamente, em loja de roupas, pessoas que não estão dentro do padrão estabelecidos pela sociedade, não são “bem vindes” e nem vistas pela fast fashion, pois ela tem como principal objetivo o lucro”, diz Vicenta. O mercado global de fast fashion foi estimado em mais de US$ 200 milhões em 2021 e deve chegar perto de US$ 300 milhões até 2031, de acordo com a pesquisa da organização Business Research Insights publicada em março de 2023.
Enquanto na fast fashion os designs são “dupes”, termo usado para roupas inspiradas ou muitas vezes copiada de looks de celebridades e criadores de tendências, ou exibidos em passarelas de estilistas, na Transmutação Têxtil é “criado outra possibilidade para o nosso corpo existir”, conta Vicenta. Para Kauan isso significa que uma camisa branca pode ser transformada em uma saia, numa polaina, em que coisas que às vezes só demanda realmente da criatividade interior, possa trazer a possibilidade de enxergar a moda e o mundo de uma forma que traga novas vertentes, histórias e inovação que ultrapasse aquilo que o capitalismo quer que seja produzido.
Por outro lado, a tecnologia da Transmutação Têxtil não engloba somente a costura, mas também o impacto intelectual. “Porque a gente vai formando pessoas para trabalhar no quesito arte, sendo pessoas que estão encabeçando projetos intelectuais. É um déficit do mundo pois não temos pessoas trans trabalhando em projetos ou comandando projetos intelectuais,” comenta Vicenta.
Em janeiro de 2024 o Ateliê TRANSmoras realizou o 1° Programa de Ativismo Trans. Segundo o edital, o projeto tem como objetivo fortalecer a trajetória de líderes trans e travestis que atuam na luta por mudança social nos âmbitos das artes, moda, direitos humanos e saúde. O programa contou com a seleção de 15 ativistas trans brasileiras para participarem de um ciclo de dois meses de atividades envolvendo arte, ativismo, direitos humanos e empreendedorismo social. Na conclusão do programa em abril, os alunos apresentaram um pitch baseado em tudo o que foi ensinado ao longo dos meses para uma banca selecionada. “Me emocionei nas falas dos colegas, as pessoas têm trabalhos de anos que estão ali
desenvolvendo os projetos, são momento de ativismo e de conhecer o trabalho do outro”, relata Rafaela Brito, uma das primeiras participantes com seu projeto “Luz, trans e ação”, sobre a formação da comunidade LGBTQIA+ com bolsas de permanência para pessoas trans no audiovisual, visto que foi idealizado por e para pessoas trans. “Quando a gente vive com outras pessoas em rede, numa família onde todo mundo entende a dor e os pontos delicados, o impacto é enorme”, finaliza.
Orientação: Prof. Gilberto Roldão
Edição: Giovanna Sottero
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