Destaque
O estudo do trabalho doméstico inspira pesquisas da FGV, IBGE, Oxfam e até Prêmio Nobel
Por: Victoria Bezerra e Lavínia Bassoli
Um trabalho que muitos economistas não põem na conta, mas que faz toda a diferença. Os cuidados domésticos, exercidos principalmente pelas mulheres, influenciam significativamente o PIB mundial. Apesar disso, não são precificados ou reconhecidos como importantes pelo pensamento hegemônico da ciência econômica. Estudos reveladores da Oxfam, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV IBRE) e do IBGE, por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), destacam o valor econômico oculto desse tipo de trabalho. Esse tema foi até mesmo reconhecido com um Prêmio Nobel.
“A gente não constrói a ideia de coparticipação no cuidado no espaço da casa. Ele continua sendo pensado como de mulheres, de mãe para avó, de avó para tia… Como ele é muitas vezes visto não somente por essas mulheres, mas pela família como um dever delas, não há nem sequer um questionamento relacionado à remuneração”, afirmou a professora Marlene Tamanini, Coordenadora do Núcleo de Estudos de Gênero da Universidade Federal do Paraná. Ela é doutora em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina e pós-doutora pela Universidade de Barcelona.
Pesquisas
Diversos estudos permitem vislumbrar a importância da economia do cuidado no mundo do trabalho: a obra da Prêmio Nobel de Economia de 2009, Elinor Ostrom, uma pesquisa da Oxfam, que buscou precificar essa atividade “invisível”; uma pesquisa do FGV IBRE, que quantificou as horas dedicadas às atividades domésticas; e a PNAD, que identificou gênero e raça dos trabalhos relativos aos afazeres em casa.
Elinor Ostrom, que recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 2009, destacou a importância de reconhecer e valorizar o trabalho invisível através de suas pesquisas sobre a gestão de recursos comuns. Seus estudos mostraram que a colaboração comunitária pode ser extremamente eficaz para a sustentabilidade e o desenvolvimento econômico. Ostrom demonstrou que comunidades locais são capazes de criar regras e instituições para gerenciar recursos compartilhados de maneira sustentável, sem a necessidade de regulamentação centralizada. Essa abordagem é relevante para a economia invisível, pois destaca que o trabalho não remunerado, como os cuidados domésticos, desempenha um papel crucial na sociedade e na economia, mesmo que frequentemente não seja reconhecido ou valorizado formalmente.
Já a Oxfam, confederação internacional de organizações beneficentes focada em combater a pobreza global, 12,5 bilhões de horas são dedicadas para trabalho de cuidado não remunerado por mulheres, o que seria equivalente a US$ 10,8 trilhões por ano para a economia global.
O valor estimado pela entidade não existe dentro da economia e algumas mulheres nem sequer cogitam que o esforço que exercem dentro de casa possa ser equivalente a uma soma como essa. O cuidado constitui um dos pilares da sociedade, mas não é reconhecido no mercado de trabalho.
Segundo estudo da FGV IBRE, as mulheres brasileiras dedicam até 25 horas por semana para afazeres domésticos, enquanto homens dedicam apenas 11 horas. Por essa quantidade pesada de horas não remuneradas, essas mesmas mulheres também encontram dificuldade de conseguir emprego no mercado de trabalho.
De acordo com levantamento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2022, a população com 14 anos ou mais de idade dedicava, em média, 17 horas semanais aos afazeres domésticos e/ou cuidado de pessoas. No entanto, ao analisar esses dados por gênero, observa-se uma disparidade significativa: as mulheres dedicavam, em média, 21,3 horas semanais a essas atividades, enquanto os homens dedicavam apenas 11,7 horas semanais.
Consumo de serviços e produtos
Mesmo caracterizado como “invisível”, os trabalhos de cuidado trazem grande contribuição para a produtividade e crescimento econômico do país. Bruno Corano, economista e investidor da Corano Capital, explica que aspectos do trabalho doméstico geram consumo de serviços e produtos, o que movimenta a economia. “Criar filhos é um investimento para a sociedade e para o país. É um investimento de produtividade futura, pois quando essas crianças se tornarem produtivas economicamente, também auxiliarão no desenvolvimento econômico”, destacou.
Cecília de Oliveira Santos, especialista em comunicação, exerce o trabalho de cuidado em sua casa, principalmente em decorrência do seu filho de 10 anos. Na organização da família, seu marido divide igualmente as tarefas domésticas – algo não tão comum nos lares brasileiros. Interessada em discutir pautas feministas, principalmente em relação à questão da maternidade e demanda feminina de trabalho de cuidado com os filhos, ela criou o projeto Militância Materna, para abrir esse espaço para mulheres também interessadas.
Cecília de Oliveira Santos é contra a remuneração do cuidado. Ela entende que há uma estrutura que direciona esse trabalho às mulheres, e pagar por ele seria uma forma de endossar que essa tarefa é feminina. Para ela, a discussão deveria ser mais a fundo sobre a divisão justa dos afazeres domésticos entre os gêneros, para que mulheres possam ter mais tempo e menos trabalho.
Para Regina Vieira, professora de Direito, no sistema capitalista atual, a remuneração do trabalho de cuidado, contando com a quantidade de brasileiros que exercem esse tipo de tarefa diariamente, é impossível.
O PIB resultante do trabalho invisível brasileiro seria de 8,5%, de acordo com a estimativa de pesquisadores da FGV Ibre – uma porcentagem relevante para o sistema econômico do país. Entretanto, a professora de Direito aborda outras opções de auxílio para pessoas que exercem a função do cuidado: isenção de impostos e assistência financeira por parte do Estado são algumas possibilidades. “A gente tem hoje uma Secretaria Nacional de Cuidados, que está vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Social, e eles vão lançar o Plano Nacional de Cuidados, que tem como intuito olhar para as políticas públicas do Brasil, para o cuidado, e principalmente para o cuidado não remunerado, e pensar nessas amarrações, em como o estado pode valorizar, já que o mercado não o faz”, afirmou a professora Regina Vieira.
A dificuldade de trazer o assunto para espaços de discussão pública é grande. Por parte do poder público, existem projetos de lei em processo de análise que, não necessariamente, visam a remuneração, mas propõem iniciativas que possam ajudar as mulheres responsáveis por essa carga de trabalho. Uma delas é o Projeto de Lei 2.647/2021, que visa a inclusão do trabalho de cuidado e da contagem de tempo de serviço para efeitos de aposentadoria, das tarefas assistenciais de criação de filhos e filhas biológicos ou adotados. A inclusão desse tipo de trabalho no Sistema de Contas Nacionais (SCN) também é uma das soluções propostas para que ele seja contabilizado e mensurado corretamente em relação a outros.
“Muitas vezes essas mulheres jamais aceitariam algum tipo de compensação direta pela questão cultural de seus papeis na sociedade a qual estão condicionadas. É um assunto delicado, pois como se impõe um valor capital no cuidado? Quanto custa o afeto, o amor, o carinho?”, questionou, concluindo, a professora Marlene Tamanini.
Orientação: Prof. Artur Araújo
Edição: Mariana Neves
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