Destaque

Povos originários fazem da arte a garantia do ganha-pão 

Com dificuldades financeiras em Campinas, famílias indígenas usam identidade cultural como subsistência 

Por Mariana Neves e Melyssa Kell 

Leandro Tupã complementa o sustento da família com o artesanato, além dos auxílios sociais da Unicamp e do Governo (Foto: Acervo pessoal) 

De acordo com dados do Painel do Cadastro Único de Campinas referentes a janeiro de 2024, Campinas tem 175 famílias indígenas em situação de vulnerabilidade cadastradas no programa, 92% estão concentradas na região Norte. Para garantir o sustento, muitos deles fazem do artesanato a garantia para garantir uma renda complementar para garantir o sustento. É o caso de Leandro Tupã, do povo Guarani. Ele é estudante da Unicamp e beneficiário desde 2019, da Bolsa de Auxílio Social da Universidade (BAS). No entanto, mesmo recebendo o recurso, para complementar a renda, ele e sua família produzem e vendem artesanato. “Além da alimentação, precisamos comprar roupas, mochila, sapatos, até mesmo para as crianças. Tenho cinco filhos e quatro estão na escola, então tudo custa muito, estamos passando muitas dificuldades ainda”, explica Tupã. 

A realidade dessas famílias é que 83% vivem com até R$ 109,00 mensais e apenas 24 famílias (0,02%) recebem benefícios do Programa Bolsa Família (PBF). Essa baixa cobertura assistencial se traduz em desafios significativos no acesso a serviços básicos já que as despesas médias chegam a R$ 294,32 por família. 

83% das famílias indígenas de Campinas vivem com até R$ 109,00 mensais e apenas 24 famílias (0,02%) recebem benefícios do Programa Bolsa Família (PBF) (Foto: Redes sociais) 

Tupã ressalta a complexidade do processo artesanal, que dificulta as vendas devido a uma falsa percepção de alto custo: “Um colar grande que minha esposa faz é muito trabalhoso. As miçangas são caras e leva tempo para fazer. Já ouvi muitos dizerem que está caro, isso sempre acontece. […] Fazemos cestas também, e lá na aldeia as pessoas tem que ir buscar no mato para trazer para a aldeia, depois passa por um processo, então é muito trabalhoso e as pessoas não dão valor a isso”. A comunidade indígena enfrenta um ciclo de desvalorização da produção artesanal, enquanto o esforço para buscar materiais na mata, processá-los e vendê-los não é devidamente reconhecido. 

Lu Ahamy Mirim, chef de Cozinha e Liderança do Coletivo Ponto de Cultura e Etnicidade, também compartilha sua experiência que busca por meio do artesanato: auxiliar as famílias. 

“Nós somos chefes da culinária ancestral, trabalhamos com eventos, formações de professores e alunos, e venda de artefatos como colares, pulseiras, brincos, cocares. A gente traz, dentro da nossa cultura, essa forma de aprendizado de pai para filho e complementa a nossa renda dessa forma, com artesanato”. Ahamy enfatiza a importância de retornar à aldeia para obter materiais autênticos: “A gente traz de lá madeira, semente, palha, tudo que utilizamos. Quando não conseguimos ter uma quantidade maior de material, adquirimos dos próprios parentes, ajudando-os também”, disse. 

Lu Mirim do EtnoCidade, é chefe de cozinha e também utiliza do artesanato como complemento de renda (Foto: Redes sociais) 

O Etnocidade, projeto que nasceu em 2016 para colocar em prática a Lei 11.645 de 2008, é um exemplo de iniciativa que busca apoiar os indígenas no contexto urbano. “Dois professores montaram o Etnocidade para entender onde estavam os povos originários em Campinas. Descobriram, através do Censo de 2010, que Campinas já tinha uma quantidade enorme de indígenas. A partir de 2018, o projeto começou a acolher, apoiar e ajudar indígenas no contexto urbano”, explica. O projeto funciona com a ajuda de grupos de WhatsApp e doações, apoiando tanto acadêmicos indígenas quanto moradores itinerantes com alimentos, roupas e outros suprimentos. 

Para Jaxuka Mirim, do povo Guarani, do Rio Grande do Sul, advogada criminalista e artesã, o artesanato é um fortalecimento em meio às adversidades. “Sempre trabalhei com artesanato; ele sempre fez parte da minha vida. Eu ia às feiras e me sustentava através da nossa arte, confeccionando peças e vendendo-as. Fazia exposições, levando nossa luta e nossa cultura através da arte. O artesanato sempre nos fortaleceu porque, para nós, a arte é sagrada. Ela não é apenas um adereço ou enfeite, apesar de muitas pessoas verem dessa forma”, explica. 

Na faculdade, Jaxuka recebeu uma bolsa de estudos, mas teve que complementar a renda para continuar seus estudos. “Era uma bolsa parcial, eu tinha que pagar 75% das despesas, o que era muito para mim. Consegui pagar com muita dificuldade, graças ao artesanato. Levava minhas peças – colares, brincos – e vendia para colegas e amigos. Aos poucos, consegui avançar. Fazia exposições por todo o Brasil, no Rio de Janeiro, nas praias. Trabalhei dessa maneira e, assim, consegui superar grandes desafios”, relata. 

A urgência de fortalecer programas sociais e implementar políticas que melhorem as condições de vida das famílias indígenas é evidente, e não apenas no contexto econômico. No Brasil, o Estatuto do Índio foi revisado em 2012 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por 

Advogada criminalista da etnia Guarani, colocou sua arte como meio de subsistência para complementar bolsa de estudos na faculdade (Foto: Acervo pessoal) 

meio da Resolução nº 3, que assegura o direito ao uso de nomes indígenas no registro civil. Este ato representa um marco de resistência e orgulho dentro do movimento indígena, conforme explica Jaxuka a respeito do direito ao nome indígena. 

“Isso só veio depois de muita luta. Nosso direito ao nome indígena em nossos documentos, então até aquele tempo era imposto um nome civil, um sobrenome também que não era nosso. Então a gente vem com toda essa carga”, afirma Jaxuka. 

Além disso, muitos indígenas são forçados a deixar suas aldeias e se estabelecer nas cidades devido a processos históricos de expropriação e deslocamento, posto isso, torna-se essencial criar políticas públicas que reconheçam e atendam suas necessidades específicas. Mesmo no contexto urbano, os indígenas mantêm um vínculo inquebrável com seu território sagrado, carregando consigo a identidade e as tradições culturais de suas terras ancestrais. 

“Independente de estarmos aqui no contexto urbano a gente acaba de uma certa forma indo para a aldeia. É importante para a gente estar lá, em nosso território”, diz Lu Ahamy. 

Assim, políticas que promovam a inclusão social, o respeito às tradições culturais e o apoio econômico são vitais para garantir que esses povos possam manter sua dignidade e prosperidade. Além disso, tais políticas devem facilitar o acesso aos materiais e recursos necessários para o artesanato, uma fonte crucial de renda e expressão cultural, garantindo que a conexão com o território e a herança cultural continue viva e forte, independentemente de onde residam. 

“O indígena quando sai da aldeia, quando é retirado, como nosso caso, nós fomos retirados da nossa terra, nós não deixamos de ser quem somos, porque o nosso território sagrado nunca sai de nós”, diz Jaxuka Mirim. 

Orientação: Prof. Artur Araújo

Edição: Mariana Neves


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