Ciência
A pesquisadora usou a perda do pai como motivação para liderar a pesquisa sobre o vírus
Por: Gabriela Belloto
A pesquisadora brasileira, Marcella Cardoso, filha e neta de professoras, pós-doutora em Imunologia Oncológica e Doenças Infecciosas no Instituto de pesquisa afiliado à Universidade de Harvard e ao Massachusetts Institute of Technology (MIT) lançou na última quinta-feira (09) a pesquisa “Evasion of NKG2D-mediated cytotoxic immunity by sarbecoviruses”, no Jornal Científico Cell. A descoberta envolveu Estados Unidos, Alemanha e, principalmente, o Brasil com foco em cerca de 113 pacientes da Unicamp para as importações das amostras para a pesquisa centrada em pacientes que, assim como seu pai, desenvolveram a forma severa da doença da COVID-19.
A condução da pesquisa e os experimentos tiveram a duração de dois anos ininterruptos, com Marcella muitas vezes começando suas atividades às 08h00, mas nunca com um horário fixo para ir embora. Segunda ela, sua luta diária sempre foi pela horizontalização da ciência. “Cada vez mais eu fico convencida do quão necessário isso é”, confessa. Marcela mostra suas expectativas como cientista no começo da pandemia. “Em 2020 fiquei surpresa, porque eu pensava em como as pessoas começariam a entender a importância da ciência, do porquê a gente estuda e se dedica tanto. E foi muito pelo contrário o que aconteceu.” Conteúdos falsos durante o ano de 2021 a respeito de teorias sem evidência científica no início da imunização contra a COVID-19 no Brasil por grupos antivacina elevaram 131,5% no volume de desinformação publicada no Facebook, segundo estudo feito pela União Pró-Vacina (UPVacina). “Então, se as pessoas não entenderem a importância daquilo que a gente faz, elas não vão confiar, respeitar e valorizar a ciência. Portanto, tentar trazer essa linguagem científica para a população compreender e criar essa conexão, é sem dúvidas a minha principal meta como cientista.”
Atualmente, o Estado de São Paulo possui 6.856.548 casos, 183.322 óbitos e 399,2 mortalidades por 100 mil habitantes segundo os dados do Sistema Único de Saúde (SUS) sobre a COVID-19 de acordo com sua última atualização no dia 02 de maio às 15h30.
A perda do pai para o vírus
“Eu só quero me despedir do meu pai”, disse Marcella Cardoso, cientista e brasileira, enquanto conversava com a médica responsável por cuidar de Luiz Carlos Cardoso, que havia testado positivo para a doença em fevereiro de 2021 e falecendo em 14 de março de 2021. Naquele momento, seu pai estava entre um dos 14.573.707 casos de COVID-19 daquele ano, segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS). Apesar da dor da perda, Marcella não conseguia parar de pensar em como um homem aos 67 anos, sem nenhuma comorbidade e que estava começando a fazer o desmame do respirador, conseguiu piorar.
Marcella, então, precisava se conformar com essa realidade. Próxima da sua defesa de tese de doutorado na Harvard Medical School, passou quatro meses tentando voltar, pois o Consulado dos Estados Unidos no Brasil estava fechado, operando apenas para casos extremamente excepcionais. Até que a própria universidade escreveu uma carta solicitando seu retorno, “dava até vontade de colocar em um painel! Essa carta fez o consulado aprovar e eu conseguir embarcar de volta.” Por volta de 15 dias ela conseguiu uma vaga para o seu primeiro pós-doutorado em Imunologia Oncológica e Doenças Infecciosas no Instituto de pesquisa afiliado à Universidade de Harvard e ao Massachusetts Institute of Technology (MIT). Mas não esperava que ali começaria uma pesquisa sobre COVID-19 que ela mesma se voluntariaria para liderar.
“Eu acho que ele ficaria feliz de me ver defendendo o meu doutorado e agora publicando esse artigo”, expressa Marcella ao pensar em Luiz Carlos Cardoso, apreciador da arte, música e parceiro de leitura da filha quando estava em alfabetização na infância e lia todo dia autores como José Mauro de Vasconcelos em “Rosinha, minha canoa” e “Meu pé de Laranja Lima”.
O funcionamento da descoberta no sistema imunológico
Considerando as células de defesa chamadas Natural Killers (NK), ou Assassinos Naturais, que são os responsáveis pelo monitoramento do que acontece na célula, a NK recebe um “sinal de alerta” de proteínas que ficam na superfície da célula, chamada MIC, separadas em MIC-A e MIC-B, fazendo com que a NK consiga localizar o foco da infecção causada pelo vírus e matar.
Considerando que o vírus entra na célula para se reproduzir, a COVID-19 possui uma proteína acessória chamada ORF6. Essa consegue “varrer” os MIC’s, fazendo com que não emitam sinal para a NK. Portanto, a NK conclui que não existe problema ali, e assim a ORF6 dribla o sistema imune. Diante disso, “a gente consegue entender por que do nada o organismo que está mostrando melhoras, de repente regride”, explica Marcella ao descobrir por que o paciente acaba desenvolvendo uma forma severa da doença.
Para comprovar essa descoberta como verdadeira, descobriram um anticorpo monoclonal chamado 7C6, que a partir do momento que esse anticorpo se liga ao MIC que seria “varrido” pela ORF6, ele não consegue, pois o anticorpo está agindo como um escudo. “Isso é gigante. Porque a gente conseguiria conter uma infecção viral que pode ser letal, assim como foi a COVID-19.”
O próximo passo serão testes em modelos pré-clínicos, para assim conseguir vislumbrar como seria o veículo para esse tratamento. Adicionalmente, é importante destacar que o método atuará como um coadjuvante, não descartando de forma alguma a necessidade da vacina existente.
Orientação: Prof. Gilberto Roldão
Edição: Gabriela Moda
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