Destaque

Aceleração e vazio noticioso dominam debate na ABI

Editor de O Globo, Miguel Caballero critica “briga de foice” na Semana Nacional de Jornalismo

Por Renan Fiorentini

O deadline de uma reportagem, isto é, o prazo que um repórter tem para entregar o material, que antes era de horas ou dias, passou a ser contínuo. Esta é a observação que pontuou a participação do jornalista Miguel Caballero, editor do jornal O Globo, na mesa-redonda “O papel do repórter, novos processos de apuração, vantagens e riscos: a ética no exercício da profissão”, na segunda-feira, 27. O evento, que reúne vários outros profissionais de jornalismo está sendo promovido pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI).

Da esquerda para a direita: Alexandre Medeiros, Marina Amaral, João Batista de Abreu, Lalo Leal e Miguel Caballero compõem a mesa (Imagem: Plataforma Zoom)

Para o comunicador, a necessidade de publicação em tempo real passou a ser imposta nas redações. “Jornalismo diário já é uma expressão anacrônica, é o jornalismo de minutos. Os repórteres trabalhavam com deadline, hoje o deadline é contínuo. Você está publicando aquele assunto com dois, três títulos”, ressaltou.

Ainda segundo Caballero, a concorrência pelo “tempo de tela” dos leitores é o que ocasiona essa instantaneidade dos veículos. “É todo mundo concorrendo nessa briga de foice pela atenção das pessoas”. Apesar do grande volume de produção noticiosa, o jornalista defende que é importante saber diferenciar opinião de jornalismo.

“As redes sociais fazem a gente consumir indistintamente notícia e opinião, mas o algoritmo engaja mais a opinião. Muitas vezes, a gente acaba se informando por opinião, lendo a opinião daquele fato antes de tomar conhecimento do fato”, alertou o professor, que considera esse fator como um risco para o jornalismo.

Miguel Caballero também disse perceber a ausência de reportagens de qualidade. Ao tratar do jornalismo esportivo, ele relata que “antigamente, você tinha reportagens. Hoje em dia é uma mesa redonda atrás da outra, o dia inteiro, ao vivo. É muito mais barato de produzir. É muita opinião e pouca reportagem”.

Miguel Caballero: “A essência do repórter de ter curiosidade, critério, ética e a função social do jornalista eu vejo imunes ao avanço tecnológico”. (Imagem: Plataforma Zoom)

Para Caballero, a instantaneidade também prejudica no dia-dia das redações, já que existem menos reuniões de pauta e debates do que deve ser noticiado ou não. “Essa velocidade cada vez maior é algo que os veículos vão precisar pensar”.

A necessidade da publicação em tempo real contrasta com uma outra realidade discutida no evento: os vazios noticiosos. De acordo com o Atlas da Notícia, 2.968 municípios brasileiros são “desertos”, isto é, não dispõem de nenhum veículo de informação jornalística local. O número representa 29,3 milhões de pessoas, ou seja, 5 em cada 10 cidades do país.

Para a jornalista Maristela Crispim, idealizadora da agência de conteúdo Eco Nordeste, a existência de um veículo jornalístico não pressupõe, necessariamente, a produção de jornalismo de qualidade, principalmente em municípios menores. “A maioria desses noticiosos locais faz uma mera reprodução de conteúdos. Essa é uma realidade para a qual a gente não pode fechar os olhos”.

“Há veículos, mas veículos com poucos recursos vão ter poucas condições de produzir conteúdos próprios”, exemplificou a jornalista, que expôs os perigos do apoio de empresas e do governo. De acordo com o Atlas da Notícia, o estado de Roraima registra a menor quantidade de veículos jornalísticos. Nele, foram identificados apenas 36 veículos, o que corresponde a 0,3% do total nacional. Situação parecida ocorre no Amapá (52 veículos), Acre (89), Sergipe (105) e Rio Grande do Norte (120). São Paulo tem a maior parte dos veículos: 18%.

A mesa também contou com a participação dos jornalistas Laurindo (Lalo) Leal Filho, Alexandre Medeiros e Marina Amaral, que destacaram a importância do trabalho do repórter e a necessidade desse profissional na sociedade. “Ou você faz jornalismo pra transformar a sociedade, ou vai fazer uma outra carreira, que não tenha esse comprometimento e essa necessidade”, destacou Lalo Leal.

“Repórter é a vertente da nossa profissão que não morrerá jamais. Nem o chat [referindo-se ao ChatGPT, de inteligência artificial, disponível na internet] vai substituir um bom repórter”, expôs Alexandre Medeiros. A demanda por informação também foi destacada pelos profissionais.

“A essência do repórter de ter curiosidade, critério, ética, e a função social do jornalista eu vejo como imunes ao avanço tecnológico”, concluiu Miguel Caballero. O encontro foi mediado pelo jornalista João Batista de Abreu.

A 1ª Semana Nacional de Jornalismo segue até o dia 31 de março. É possível participar presencialmente, na sede da ABI, no Rio de Janeiro (RJ), ou de forma remota, pelo canal da entidade no YouTube: https://www.youtube.com/@ABITVweb/streams.

Orientação: Prof. Carlos Alberto Zanotti

Edição: Melyssa Kell


Veja mais matéria sobre Destaque

Provão Paulista incentiva estudantes da rede pública


Desde 2023, a prova seriada se tornou porta de entrada para as melhores universidades do Estado de São Paulo


Sistema de Educação ainda requer ajustes para incluir alunos PcD na educação física


Apesar dos avanços na educação, alguns profissionais ainda se sentem despreparados para lidar com esse público nas aulas


Revolução na luta contra Alzheimer: Unicamp lidera avanços com IA na inovação farmacêutica


Pesquisas inovadoras unem tecnologia e biociência na busca de tratamentos eficazes para doença neurodegenerativa


Projeto social promove atividades pedagógicas em escolas de Campinas


São pelo menos 280 jovens mobilizados nos encontros e quatro escolas que abraçam as atividades propostas


Valinhos é eleita a cidade mais segura do Brasil em 2024


Uso de tecnologia e aumento de 30% no efetivo da Guarda Civil Municipal aumentam a segurança e a qualidade de vida na cidade


Novembro Azul destaca o papel da hereditariedade no avanço do câncer de próstata


Especialista explica como o fator genético pode acelerar o câncer masculino



Pesquise no digitais

Siga – nos

Leia nossas últimas notícias em qualquer uma dessas redes sociais!

Campinas e Região


Facebook

Expediente

Digitais é um produto laboratorial da Faculdade de Jornalismo da PUC-Campinas, com publicações desenvolvidas pelos alunos nas disciplinas práticas e nos projetos experimentais para a conclusão do curso. Alunos monitores/editores de agosto a setembro de 2023: Bianca Campos Bernardes / Daniel Ribeiro dos Santos / Gabriela Fernandes Cardoso Lamas / Gabriela Moda Battaglini / Giovana Sottero / Isabela Ribeiro de Meletti / Marina de Andrade Favaro / Melyssa Kell Sousa Barbosa / Murilo Araujo Sacardi / Théo Miranda de Lima Professores responsáveis: Carlos Gilberto Roldão, Carlos A. Zanotti e Rosemary Bars.