Destaque
Estabelecimento tradicional de Campinas sustenta-se mesmo com perda de força dos jornais impressos
Por: André Romero, Gabriel França e Luís Felipe Buzzetti
Durante a pandemia, devido às medidas de restrição sanitária, diversos estabelecimentos, como bares e restaurantes, tiveram que fechar temporariamente. Porém, com o agravamento da pandemia, a falência foi uma realidade para vários comércios. De acordo com a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, cerca de 300 mil restaurantes fecharam as portas em 2020. Paralelamente, apesar de consideradas serviços essenciais no período, as bancas de jornal também sentiram tal impacto; porém, a Banca do Alemão, de Campinas, aliada à importância histórica, conseguiu resistir.
De acordo com Denilson Falsarella, atual proprietário da banca, o comércio esteve fechado por apenas 11 dias durante os 71 anos de existência. “Quando começou a pandemia, no dia 25 de março, nós fechamos a banca por não sabermos o que aconteceria. Porém, após mais de uma semana parada, conversei com os funcionários e decidimos voltar à ativa, seguindo todos os protocolos de proteção necessários”, afirma.
Segundo Falsarella, na contramão da situação de outros estabelecimentos, a banca cresceu durante a pandemia, uma vez que a necessidade do isolamento social aumentou as vendas de produtos como palavras-cruzadas, sudokus, livros de pintura e até mesmo tabacaria devido ao ócio e ansiedade geradas pelo longo tempo em casa. Esse cenário é corroborado a partir de dados divulgados pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) no mês de junho, que demonstrou um aumento de 25% do número de bancas de jornais na Região Metropolitana de Campinas, de 303 em 2019 para 379 em 2022.
Entretanto, apesar de ainda conseguir sobreviver, as bancas já não possuem mais forças na venda de jornais impressos. Para o professor de jornalismo da PUC-Campinas, Carlos Alberto Zanotti, o caminho natural das bancas é deixar de existir gradativamente. “Atualmente, devido a uma perda da relevância dos jornais impressos, as bancas tornaram-se uma loja de conveniência. Com o avanço da tecnologia, é possível ler o mesmo conteúdo de uma matéria através do meio digital e, devido uma maior facilidade com o formato, essa substituição era prevista”, relata o professor.
Conforme Zanotti, as bancas tiveram grande importância para o jornalismo e para os jornalistas, uma vez que as capas de jornais eram apresentadas na entrada do estabelecimento, de frente para as pessoas que passavam na calçada. Por conta disso, o jornalista afirma que “não havia nada mais gratificante na profissão do que ver uma matéria sua sendo lida na frente de uma banca de jornal, era uma sensação ótima.”
Tal cenário é relatado por Orandi Falsarella, filho do fundador da Banca do Alemão, Ângelo Falsarella, que vivenciou a era de ouro da banca, relembrando o crescimento do movimento durante a Copa do Mundo de 1970, na qual o Brasil foi campeão. “Quando o jogo estava perto do fim, meu pai disse para voltarmos à banca, porque ele sabia que os jornais relatando a vitória do Brasil venderiam bastante. Eu não lembro de um movimento tão grande na banca como esse dia”, relembra Orandi.
Atualmente, o dono da banca afirma que a relevância da Copa para as vendas passou por uma transição dos jornais impressos para os álbuns de figurinha, pois o comércio se torna ponto de encontro dos colecionadores. “Na minha época, havia muita coleção de diversos álbuns de figurinhas. Hoje, a febre se concentra exclusivamente nos álbuns da Copa, que ocorrem a cada quatro anos.” Denilson complementa afirmando que, dessa forma, esse foco no evento esportivo gera um aumento significativo nas vendas durante o período.
Jornais alternativos
A relevância histórica das bancas de jornais estende-se também como um dos únicos meios pelos quais os jornais alternativos eram vendidos durante a ditadura militar brasileira; e, no caso da Banca do Alemão, esse fato não foi diferente. A atual diretora do curso de Turismo da PUC-Campinas e militante trotskista contra a ditadura, Juleusa Maria Turra, relembra a relação entre a banca e o trabalho jornalístico do Liberdade e Luta, movimento revolucionário responsável pela criação do jornal O Trabalho. “Nós vendíamos os jornais à mão na rua, porém, com o tempo, fizemos uma parceria com a banca, em que ela ficaria com parte do lucro das vendas, mas eu nunca vi o Alemão pegar a parte dele, todo o lucro ficava com a gente. Além disso, ele sempre deixava nossos jornais pendurados na frente da banca”, conta Maria.
Ela ainda complementa dizendo que o Alemão aceitava vender tais jornais para tentar manter uma boa relação com a juventude da época, pois eles seriam a próxima geração que consumiria nas bancas de jornais, ou seja, um público que o Alemão pretendia manter.
Na produção do jornal, sendo um movimento estudantil, o Liberdade e Luta contava com o apoio de estudantes de diversas áreas da comunicação que estudavam artes e semiótica. Juleusa relata que, devido essa contribuição, o jornal possuía “um formato moderno, feito para ser pendurado inteiramente aberto na entrada da banca com o propósito de chamar atenção de potenciais leitores”.
Além disso, Juleusa ainda complementa dizendo que o Alemão aceitava vender tais jornais para tentar manter uma boa relação com a juventude da época. “O Alemão aceitava vender os jornais porque queria manter uma boa relação com os jovens, a gente era a próxima geração que consumiria nas bancas de jornais e ele queria manter seu público.”
História da Banca do Alemão:
Ângelo Falsarella, o Alemão, saiu da cidade de Corumbataí, no interior de São Paulo, e foi para Campinas tentar ganhar dinheiro. Foi convidado para trabalhar como jornaleiro na Estação Ferroviária de Campinas, fazendo o percurso que passava pelas cidades de Campinas, Jundiaí e São Carlos. No segundo dia de trabalho, Ângelo vendeu um jornal para Hugo Constanzo, responsável pela distribuição de jornais e revistas em toda alta paulista do estado de São Paulo. Assim, o Alemão passou a trabalhar no vagão aço, o mais importante da locomotiva.
Dessa maneira, Ângelo conseguiu ganhar dinheiro e no ano de 1951, Constanzo liberou um ponto para criação da Banca do Alemão, que a princípio se encontrava no cruzamento entre a Francisco Glicério e a General Osório. Após a demolição da igreja no Largo do Rosário, a banca mudou-se para o local que está até hoje. Antes de morrer, no ano de 2020, Ângelo disse ao seu filho Orandi que tinha medo da banca fechar. Assim, o neto do Alemão, Denilson Falsarella, assumiu a banca e trabalha no local até os dias atuais.
Orientação: Profa. Rose Bars
Edição: Bianca Bernardes
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