Destaque

Inclusão não é prioridade para os criadores de conteúdo

A comunidade surda luta por ferramentas eficientes de inclusão e acessibilidade em vídeos e lives

Por: Caio Martins Bueno

O tema acessibilidade tem ganhado força nas mais diferentes atividades sociais, incluindo a internet e o entretenimento. Segundo o IBGE, 5% da população brasileira é composta por surdos, o que corresponde a mais de 10 milhões de pessoas. Apesar da urgência da necessidade, são poucas as produções de vídeo e transmissão ao vivo que contemplam ferramentas efetivas para a inclusão de deficientes auditivos, principalmente quando trata-se de criadores de conteúdo que trabalham sozinhos, sem domínio do tema.

Senadora Mara Gabrilli propôs projeto para a inclusão do público surdo (Foto: Agência Senado)

Recentemente, o tema reverberou na esfera pública. A senadora Mara Gabrilli, do PSDB-SP, apresentou um projeto de lei que prevê a obrigatoriedade das plataformas de vídeo e streaming em oferecerem recursos de acessibilidade.

A ideia é que esses novos meios de entretenimento sigam as mesmas regras estabelecidas para a televisão no Estatuto da Pessoa com Deficiência. Até o momento, o projeto segue em análise pelas devidas comissões.

Streamer Mila Ayleen associa a acessibilidade com o crescimento na internet (Foto: Acervo pessoal)

Streamer e criadora de conteúdo há mais de cinco anos, Mila Ayleen é surda, e de forma recorrente enfatiza o papel das ferramentas de inclusão, com destaque as legendas: “Se tratando da legenda, quando falamos especificamente dela, estamos abrangendo os surdos oralizados, surdos sinalizados e surdos bilíngues. Mas num contexto mais generalizado, a legenda é benéfica para todos, até mesmo aqueles que possuem uma boa audição. Ela também favorece bastante os neuroatípicos ou neurodivergentes”, comenta.

O Youtube oferece o sistema de Closed Captions (legendas autogeradas), porém o sistema depende da qualidade técnica do som para funcionar com precisão, também sendo incompatível com gírias e dialetos. Portanto, a criação manual das legendas segue sendo a alternativa mais completa.

Para Mila, esses tipos de recursos também possuem um potencial de mercado importante, tornando os materiais mais convidativos e compartilháveis, o que é capaz de impulsionar as visualizações e os objetivos dos próprios criadores de conteúdo. Nesse sentido, a streamer criou e disponibilizou um tutorial para incluir legendas nos canais da Twitch, para ser compartilhado entre os profissionais.

Para além das legendas, nos últimos meses os intérpretes de libras ganharam espaço em produções mais expressivas na internet. Algumas das transmissões de campeonatos de E-sports, por exemplo, passaram a contar com um representante da função, que trabalha ao vivo simultaneamente.

Jéssika Maia de Souza atua como intérprete de libras em transmissões ao vivo (Foto: Acervo pessoal)

A intérprete e coordenadora de libras, Jéssika Maia de Souza, atualmente faz parte de algumas das maiores transmissões de games do país. Como uma das primeiras intérpretes de destaque no ambiente virtual, sua experiência está sendo desafiadora, principalmente pelas contradições que observa na postura daqueles que produzem os vídeos e lives: “Dificilmente se encontra um criador de conteúdo preocupado em ser acessível. O que choca, é que a parcela de pessoas que se preocupa em utilizar e contratar profissionais para fazer os serviços, são organizações e criadores de conteúdos pequenos. Conseguimos encontrar alguns influenciadores e grandes empresas que contratam e se preocupam com o assunto, mas ainda são pouquíssimos”, ressalta.

Apesar do avanço lento, a expectativa é que esse tipo de iniciativa esteja cada vez mais presente e que se espalhe para todos os tipos conteúdos, como no caso do popular youtuber e streamer de futebol Casimiro, que em março adicionou os serviços de Jéssika dentro de um de seus vídeos, fato esse que viralizou nas redes sociais.

Lia Calder reforça a necessidade de aprender sobre os diferentes públicos (Foto: Acervo pessoal)

Para Lia Calder do Amaral, pós-graduada em Comunicação pela ESPM e consultora de diversidade e inclusão, a acessibilidade só pode ser alcançada pela atuação consciente dos responsáveis pelas produções: “De nada adianta uma plataforma disponibilizar o recurso se as pessoas que fazem as postagens não o utilizarem ou não se atentarem para as melhores práticas de como fazê-lo. É preciso uma capacitação específica em recursos de acessibilidade. E como você vai chegar neste tipo de conhecimento? Com pesquisas e conversas com a comunidade surda, entendendo seu público”, afirma.

Os esforços da comunidade seguem sendo uma das principais formas de reinvindicação do direito à acessibilidade. Grupos no Twitter e Facebook, formados por pessoas do cenário e fãs, são protagonistas em ações para fomentar o tema na internet.

Alguns exemplos são o projeto PCD`S Streamers, formado por pessoas com deficiência, que tem como propósito divulgar outros criadores menores que também compartilham de dificuldades para alcançar a notoriedade, e a página Libra no E-sports, da qual Mila e Jéssika fazem parte, que também traz à tona questões de visibilidade e inclusão.

Edição e orientação: Prof. Gilberto Roldão.


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