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Padre Júlio Lancellotti, Ivo Herzog e Santos Jr. lamentam governo sob “liderança neofascista”
Por Beatriz Cezar
“Não podemos perder a esperança”, conclamou o padre Júlio Lancellotti, ao lado de Ivo Herzog, filho de Vladimir Herzog, jornalista e professor assassinado em 1975 pelas forças de segurança do regime militar, em evento promovido para debater o legado de Dom Paulo Evaristo Arns na luta dos Direitos Humanos. “Temos que ter coragem para resistir e batalhar”, disse o padre, conhecido pela coragem com que enfrenta, na cidade de São Paulo, ações policiais que ameaçam os moradores de rua, para os quais presta serviços pastorais de acolhimento, alimentação e amparo emocional.
Os pronunciamentos do padre Lancellotti e de Ivo Herzog, somados à fala do advogado Belisário dos Santos Jr. – especialista na defesa dos Direitos Humanos e ex-secretário do governo de Franco Montoro (1983 a 1987) – foram carregados de repúdio ao governo do presidente Jair Bolsonaro, na tarde de quinta-feira (9), no evento remoto promovido pelo canal do Sesc-SP no Youtube.
“Hoje, temos a narrativa desse presidente. Temos um governo federal liderado por ele, fazendo atrocidades tão graves, senão piores, do que naquela época”, apontou Ivo Herzog, ao lamentar o destino que teve seu pai, então profissional de imprensa na TV Cultura de São Paulo, preso, torturado e morto por agentes da ditadura militar em uma cela do DOI-CODI, na capital paulista. Ivo manifestou a incredulidade de observar que foi a própria sociedade, décadas depois, que elegeu “democraticamente uma liderança neofascista”.
De acordo com Herzog, a tortura nunca deixou de existir no Brasil. “Essas histórias que aconteceram com meu pai e com outras figuras são narrativas de um presente talvez em dimensão ainda maior”.
Ao comentar as ações de violência praticadas pelo regime militar, o padre Júlio Lancellotti se emocionou quando se dirigiu ao filho de Herzog. “Você, Ivo, faz parte de uma história de resistência, de luta. Junto com a tua mãe, tua família e Dom Paulo, vocês marcaram fortemente a história do Brasil”, disse o religioso. Ele afirmou nunca esquecer a celebração inter-religiosa que denunciou os arbítrios do regime. “Sua mãe e você, Ivo, pequenino, choravam juntos com uma multidão imensa, dentro da Catedral de São Paulo, o assassinato e o martírio de Vladmir Herzog”.
De acordo com o padre, “Falava com o general Costa e Silva com toda a firmeza, falava com o ditador Medici, que batia e dava soco na mesa, com o Geisel, que também gritava com Dom Paulo… e ao mesmo tempo punha no ombro a mãe do Ivo para chorar”.
“Ele tinha a força, o vigor e a autoridade reconhecida. Dom Paulo vive e vive para sempre”, disse Lancellotti, ao relembrar passagens da história do então cardeal de São Paulo.
“A vida de Dom Paulo foi toda dedicada a que as pessoas não sofressem”, apontou o jurista Belisário Santos Jr. ao acentuar a importância do resgate de memórias das vítimas da ditadura, conhecido por “Brasil Nunca Mais”, do qual o então cardeal foi defensor de primeira hora. “É para que ninguém se esqueça que nós tivemos um regime militar e o que ele causou, a dor que causou, as desaparições e as torturas”, apontou Santos Jr.
De acordo com o advogado, no início dos anos 80, uma comissão internacional de juristas e o comitê suíço contra a tortura haviam participado da elaboração da convenção europeia contrária à prática, movimento que teria chegado ao Brasil com a adesão de Dom Paulo. “Essa convenção resultou em uma lei brasileira que foi descumprida pelo Bolsonaro”, disse o jurista, ao completar que “o presidente não tem muita noção do que pode e de o que não pode fazer. Ou tem noção e quer desmontar isso”.
“Não temos um Dom Paulo tentando lutar por justiça sobre o que está acontecendo hoje”, disse Ivo ao apontar o cardeal como um herói, em função de sua coragem ao enfrentar as adversidades, sem procurar qualquer reconhecimento. “De esperança em esperança, é assim que temos que seguir”, propôs Santos Jr.
Aqui, acesso à integra do evento que debateu o legado de Dom Paulo na área de Direitos Humanos.
Orientação: Prof. Carlos A. Zanotti
Edição: Fernanda Almeida
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