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A avaliação é do infectologista André Giglio, para quem o negacionismo levou à fase vermelha
Por: Giuliana Olivieri
No dia em que o Brasil bateu um novo recorde no número de vítimas da pandemia do novo coronavírus, com 1.840 mortos em 24 horas, o infectologista André Giglio Bueno atribuiu ao negacionismo da doença a causa do iminente caos no sistema de saúde. “Nós sabemos exatamente o que precisa ser feito”, disse em entrevista ao Digitais, mas admitiu que o comportamento do presidente Bolsonaro, o abandono das práticas protetivas e as aglomerações, clandestinas ou não, apontam para as piores semanas que o país terá vivido até o momento.
Com mais de 1.900 mortes desde o início da pandemia, o município de Campinas retornou nesta quarta-feira, 3, à fase vermelha do controle da enfermidade. Só poderão funcionar, pelos próximos 14 dias, atividades do comércio e setor de serviços considerados essenciais. Para André Giglio, professor da PUC-Campinas e controlador de infecções no pronto socorro da Unicamp, os governos – estaduais e municipais – deveriam adotar de vez o lockdown, com medidas mais restritivas e punições mais severas aos infratores. Segundo o infectologista, a estratégia seria essencial “para termos a certeza de uma redução significativa dos casos”. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Digitais: Não só Campinas, mas todo o estado de São Paulo, entrou na fase vermelha da estratégia de combate à Covid-19. De quem é a culpa?
O motivo de ter ocorrido essa regressão de fase é toda a situação epidemiológica. A gente teve um aumento explosivo no número de casos, com uma grande sobrecarga no sistema de saúde. Praticamente o país inteiro está hoje com ocupações elevadíssimas de leitos de terapia intensiva (UTI). Aqui em Campinas, já chegamos a 100% de ocupação em leitos intensivos do SUS, segundo a Prefeitura. Estamos de fato na eminência de um colapso do sistema de saúde por conta desse aumento de casos. O motivo é multifatorial. As pessoas têm progressivamente abandonado as medidas de prevenção, o que percebemos desde o período das eleições municipais, nos feriados de fim de ano e no carnaval. As aglomerações e as festas clandestinas agravaram o quadro. Tem também o próprio Governo Federal, que joga contra tudo o que deve ser feito. A postura do presidente da República é totalmente reprovável, condenável. Infelizmente, tem muita gente que segue à risca o que ele prega, e isso atrapalha muito o controle da epidemia. Há um negacionismo enraizado em um percentual significativo da população.
E em que pé está a coordenação nacional?
No Ministério da Saúde, não se vê coordenação alguma. Ali não há sequer uma pessoa que seja apta para essa função desde a saída dos dois médicos que estavam ocupando anteriormente a pasta. Não tem coordenação, não há campanhas de conscientização para a adoção das medidas básicas de proteção. E em relação à vacina, estamos vendo uma campanha bastante morosa. Só conseguimos iniciar em janeiro a campanha de vacinação de forma muito lenta, muito vagarosa, enquanto há países com o porte do Brasil com percentuais bem mais elevados de imunização. A gente ainda está com 3% de pessoas com apenas a primeira dose e vai demorar para termos um percentual significativo. Junto com isso, tem a circulação intensa dessa variante nova de Manaus, a P1, que é mais transmissível. Nós temos visto o estrago que ela faz a partir do momento em que se torna predominante em uma região, com o aumento explosivo de casos.
Em relação ao governo do Estado, teve atraso em adotar medidas mais rígidas. Na última semana teve esse toque de restrição, mas com um impacto reduzido no controle da pandemia. A gente esperava algo mais drástico, mais restritivo. Talvez até a implantação de um lockdown como a gente nunca teve no Brasil. A situação é muito crítica. Se errarmos a medida, se ela for muito leve, ficaremos duas semanas a mais à espera de um efeito. Foi importante ter retomado a fase vermelha, mas eu esperava que fossem tomadas medidas ainda mais rígidas para não perdermos essa oportunidade de ter controle sobre a pandemia.
É possível dizer que, mesmo após um ano de pandemia, nós ainda não sabemos lidar com o vírus?
Nós sabemos exatamente o que precisa ser feito, a questão é a implantação disso. Por conta da desinformação que a gente tem no Brasil, talvez sejamos o único país que sofra com esse problema de forma tão intensa. Nós não conseguimos fazer com que a população entenda o que precisa ser feito. As medidas para combater o vírus, para reduzir a transmissão, a gente sabe. Fazer com que a população aplique essas recomendações é o grande desafio.
O que poderia ter sido feito? Qual medida poderia ter sido tomada desde o começo para evitar essa situação?
Desde o começo foi uma curva de aprendizado. Não temos dúvida, por exemplo, do benefício do uso de máscaras, mas só passamos a adotar seu uso universal entre abril e maio. Em relação ao que não fazer, volto na questão do Governo Federal. Tudo o que o presidente da República fez é justamente o que não deveria ter sido feito, como minimizar os impactos da doença, propor o uso de medicações sem efeito, vender a ilusão para as pessoas de que existe um tratamento precoce e desacreditar que as medidas de prevenção são eficazes, além do distanciamento físico e a utilização de máscaras. No Brasil, o que poderíamos ter tido de melhor seria uma postura diferente do Governo Federal. Estamos nessa situação pela falta de uma coordenação nacional.
Qual a expectativa para reduzir essa situação de crise? Adiantarão esses 15 dias de fase vermelha ou era melhor ter colocado a cidade em lockdown? E quando a situação irá melhorar com a vacina?
A expectativa para as próximas semanas é o que está sendo divulgado, imagino que serão as piores semanas da pandemia no Brasil. O serviço de saúde hoje está na iminência de um colapso. Nas próximas duas semanas os casos continuarão aumentando. Estamos numa situação da qual é muito difícil sair. Os governos estaduais e municipais estão fazendo um esforço para aumentar os leitos de forma ágil, mas a gente sabe que os recursos são limitados. Tem uma grande limitação em recursos humanos, em encontrar uma equipe para formar uma área de terapia intensiva. Isso não é fácil de se conseguir. Estamos na iminência de termos as piores semanas da pandemia. O impacto da regressão para a fase vermelha no estado todo é difícil de prever, porque isso também depende da intensidade da fiscalização, das multas que poderiam ser muito mais pesadas do que são. É possível que a gente volte a ter algum grau de controle sobre os casos, mas o ideal, do ponto de vista biológico e epidemiológico, seria implantar algo mais restrito do que a fase vermelha. Deveria ser um lockdown mesmo, restringindo a circulação das pessoas, para termos a certeza de uma redução significativa dos casos. Obviamente não é fácil implantar por conta das questões políticas e econômicas, mas seria o ideal.
E quanto às vacinas, como o país tem caminhado?
Está muito lento o processo de vacinação porque a gente não tem a quantidade necessária. Os municípios teriam condições de aplicar muito mais vacinas do que fazem hoje. Temos uma grande capacidade de mobilização pelo SUS, como pudemos observar na pandemia em 2009, vacinando milhões de pessoas por dia. Temos condições de fazer isso, mas não temos as vacinas porque o Governo Federal não se importou com isso até o início do ano. Podemos pensar no impacto da vacina mais para o meio do ano. Em junho ou julho, talvez a gente comece a sentir o impacto da vacinação, sobretudo com a imunização dos idosos. O cenário atual é bem assustador. Será difícil lidar com as próximas duas semanas.
Orientação: Prof. Carlos A. Zanotti
Edição: Letícia Franco
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