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O alerta é de especialistas e discussão sobre legalização aumenta a preocupação
Por: Giovana Viveiros e Renan Fiorentini
Os dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs), popularmente conhecidos como cigarros eletrônicos, vapes ou PODs, surgiram em 2003. Na época, os fabricantes afirmavam que o produto era menos prejudicial que o cigarro comum, sendo inclusive uma alternativa para os interessados em largar o vício. No entanto, já é comprovado que o cigarro eletrônico, além de contribuir para a iniciação de jovens ao universo do tabagismo, pode trazer graves riscos à saúde.
De acordo com a médica pneumologista do Hospital da PUC-Campinas, Deborah Patrocínio, o uso do cigarro eletrônico não traz nenhum benefício. “O cigarro eletrônico, em qualquer faixa etária, produz inflamação no pulmão e produz uma absorção maior da nicotina, por ser um produto hidratado. Com a popularização, novas pessoas foram introduzidas ao uso da nicotina pelo cigarro eletrônico”.
Segundo pesquisa do Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica), o número de fumantes de cigarros eletrônicos/PODs cresceu 600% de 2018 a 2023. Para a psicóloga do Hospital Vera Cruz, Roberta Von Zuben, o ‘fumar por socializar’ é uma realidade entre os jovens.
“É natural que o jovem ‘vá pela moda’ e adquira um POD. Hoje existem cigarros eletrônicos coloridos, brilhantes, com diversas essências e isso faz com que o POD acabe se tornando um acessório que as pessoas gostam de mostrar que têm. No caso dos jovens, a baixa autoestima, a pressão para conseguir um bom emprego, passar no vestibular e a vontade de ser aceito e bem visto em um grupo de amigos que já utilizam o cigarro eletrônico faz com que eles entrem nesse universo”, explica Roberta.
A estudante Gabriela Sant’anna, de 19 anos, experimentou o cigarro eletrônico pela primeira vez aos 15, na festa de aniversário de uma amiga. “Naquele dia, uma menina levou o POD dela, eu experimentei e gostei da sensação. Hoje, não tenho um uso contínuo, mas tenho altos e baixos. Nas minhas recaídas, o POD vem como uma válvula de escape em momentos de ansiedade e depressão”, diz a jovem.
Para Gabriela, a pressão do início da vida adulta está relacionada ao uso de DEFs. “Quando se é jovem você tem que estudar, pensar no futuro, trabalhar, sair, ficar com a família, ter relacionamentos; muitas vezes, acabamos canalizando toda essa pressão em vícios. Além disso, existe a autocobrança de ser aceito e querer mudar completamente o jeito que você é para atingir esse objetivo”, afirma.
Segundo a estudante, apesar de proibido, o POD é fácil de ser encontrado. “Dependendo do seu ciclo, vai ter amigos próximos que vendem, ou no Instagram, e até mesmo em festas ou shows, onde é super normal ter pessoas vendendo na entrada”, explica. Com relação aos riscos à saúde, a jovem diz que sempre teve problemas respiratórios e, com isso, não vê “muita diferença” no uso do cigarro eletrônico, mas admite que conhece as consequências.
Riscos à saúde
Como aponta a pneumologista Deborah Patrocínio, o cigarro eletrônico traz prejuízos à saúde a curto, médio e longo prazo. “A curto prazo, ele produz uma irritação aguda, uma inflamação no pulmão. A médio prazo, ele produz um espessamento das fibras por deposição das substâncias. E a longo prazo, a gente não tem grandes estudos, mas nos Estados Unidos e na Europa, onde já é bem comum o uso do cigarro eletrônico, com 12 a 15 anos, algumas pessoas já estão entrando para a fila de transplante, tamanha agressão do produto”, explica.
Segundo a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), a EVALI, sigla em inglês para lesão pulmonar induzida pelo cigarro eletrônico, é uma doença relacionada ao uso de dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs) que afeta os pulmões. “Com o cigarro eletrônico, em menos de cinco anos, você já tem uma agressão confirmada no pulmão, o que não é tão comum com o uso do tabaco, que normalmente leva de 10 a 20 anos para você ter uma alteração estrutural. Na juventude, quanto mais precoce a introdução desses produtos agressivos, mais rápido você tem uma deterioração do pulmão”, afirma Deborah.
Um fato que chama atenção no uso de cigarro eletrônico por parte dos jovens é a tolerância da sociedade, como esclarece a psicóloga Roberta. “A família costuma aceitar muito mais o POD do que o cigarro de papel, porque o cigarro de papel queima, gera fumaça e tem um cheiro desagradável que incomoda. O cigarro eletrônico, por outro lado, não tem esses fatores; por isso, é mais fácil de ele ser aceito nos grupos de amigos e ser tolerado pela família do jovem”, explica.
Além disso, segundo a psicóloga, o cigarro eletrônico pode passar despercebido pelos pais. “É bem mais fácil você pegar e comprar um POD do que você comprar um maço de cigarro e o seu pai pegá-lo da sua mochila. Então, às vezes, aquele dispositivo é imperceptível para os pais”.
Regulação
No Brasil, a venda do cigarro eletrônico é proibida desde 2009 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No entanto, a norma não proíbe o uso individual dos dispositivos, apenas reprova. Recentemente, no mês de abril, a agência atualizou a regulação e manteve a fabricação, importação, comercialização, distribuição, armazenamento, transporte e propaganda dos DEFs proibidas. A decisão aconteceu durante a 6ª reunião ordinária da diretoria da agência, no dia 19 de abril. O diretor presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, assim como os outros quatro diretores (Meiruze Sousa Freitas, Daniel Meirelles Fernandes Pereira, Romison Rodrigues Mota e Danitza Passamai Rojas Buvinich) votaram pela continuidade da proibição.
Paralelamente à discussão da Anvisa, um projeto de lei de autoria da senadora Soraya Thronicke (PODEMOS/MS) defende a legalização dos cigarros eletrônicos. O PL 5008/2023 estabelece uma série de regras para a comercialização dos dispositivos. A senadora defende multa entre R$ 10 mil e R$ 10 milhões para quem infringir a lei.
Caso o texto seja aprovado, os fabricantes de cigarros eletrônicos deverão ter registro e cadastrar os produtos na Anvisa, recolher taxa de vigilância e fiscalização sanitária, manter controle fiscal junto à Receita Federal, além de apresentar um laudo de avaliação toxicológica do cigarro eletrônico.
Enquanto a Anvisa seria a responsável pelo controle sanitário dos PODs, em uma suposta legalização, o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) seria o responsável por definir critérios não sanitários de funcionamento do produto, como a segurança no carregamento elétrico e as especificações da bateria. Já a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) seria responsável pela comunicabilidade dos dispositivos, como as tecnologias bluetooth.
No portal do Senado Federal, uma enquete sobre a opinião dos internautas em relação à pauta mostra uma divisão de opiniões sobre o assunto. A sondagem acumula mais de 30 mil votos, sendo que cerca de 56% aprovam o PL (mais de 17 mil pessoas). Outros 13 mil internautas reprovam o projeto, o equivalente a 44%.
O projeto de lei começou a tramitar ainda em outubro de 2023. Em março deste ano, o senador Eduardo Gomes (PL/TO), relator da Comissão de Assuntos Econômicos, manifestou-se favorável ao PL. Em abril, o senador Mecias de Jesus (REPUBLICANOS/RR) apresentou duas emendas ao projeto. Em uma delas, o político defende que a arrecadação da contribuição para o PIS/Pasep e da COFINS relativa aos cigarros eletrônicos seja destinada ao SUS para financiar tratamentos, prevenção e pesquisas do uso de cigarros.
Para a pneumologista Deborah Patrocínio, mesmo com as regras, a legalização não iria funcionar. “Dificilmente o governo teria o controle disso, e somente iria deixar de ser um procedimento ilegal. Eu acho que ia disseminar de vez. Ia ter lojas, farmácias, fábricas produzindo, mas a agressão continuaria e até aumentaria, por não ser mais ilegal”.
“Quanto mais precoce a interrupção [do uso] do vape, melhor. A gente não pode deixar o organismo entrar numa situação irreversível. O ideal é nunca entrar nessa onda do vape, mas uma vez que entrou é saber que é extremamente agressivo para todo o organismo e que isso não pode continuar”, finaliza a médica.
Orientação: Prof. Gilberto Roldão
Edição: Giovanna Sottero
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