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Antônio Carlos Gomes afirma que o empreendimento seria “mais exequível” no viaduto Miguel Vicente Cury
Por: Natália C. Antonini
O arquiteto e urbanista Antônio Carlos Gomes, ex-funcionário do Ministério das Relações Exteriores pela manutenção de embaixadas e consulados brasileiros, ingressou com pedido para abertura de inquérito civil junto ao Ministério Público na tentativa de barrar a construção de um shopping popular para os camelôs de Campinas em área do pátio ferroviário da extinta Fepasa.
Prevista para ter sido iniciada em janeiro último, a um custo estimado em R$ 115 milhões a serem saldados pelos próprios ambulantes, a obra é polêmica, pois ocupará uma área dentro de um patrimônio histórico tombado pelo município e pelo estado – a antiga Estação Ferroviária de Campinas. “Minha sugestão é instalar na área do viaduto Cury”, disse o arquiteto Gomes, lembrando que a Prefeitura já avalia projetos para requalificação do local que propõe.
“Será muito mais exequível, sem entraves, mais rápida e atenderá plenamente aos anseios dos ambulantes da cidade”, disse Carlos Gomes em entrevista ao Digitais.
Conforme lembra o arquiteto – o segundo a já acionar o Ministério Público para barrar o empreendimento – o Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc), em março deste ano, revisou as resoluções de tombamento de áreas vazias daquele complexo ferroviário. A nova diretriz, publicada em 25 de abril no Diário Oficial do Município, abre a possibilidade para o desenvolvimento de projetos em até 12,36% da área total do patrimônio tombado.
“Há uma ideologia de que o comércio popular deva ficar próximo a terminais rodoviários, o que é um grande erro. Várias experiências pelo mundo demonstram que uma coisa não tem a ver com a outra, e que, de um modo geral, os países mantêm comércios desta natureza em áreas distantes de estações rodoviárias”, afirmou.
Gomes lembrou que há entraves jurídicos em edificações em áreas tombadas, o que se resolveria com o local por ele indicado. “O que eu proponho é uma alternativa, de fácil acesso ao consumidor, resolvendo problemas em relação à arrumação da cidade”.
O Sindicato dos Empreendedores Individuais de Ponto Público Fixo e Móvel de Campinas (Sindipeic), que representa os ambulantes locais, encomendou o projeto do shopping popular ao arquiteto Marcelo Hobeika. Até o momento, no entanto, o projeto não veio a público e nem teve ingresso de tramitação nos órgãos Legislativo e Executivo do Município.
Com o mesmo espírito preservacionista, Gomes já havia contestado, em 2019, a determinação da Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas (Emdec) para a retirada dos trilhos da antiga Estrada de Ferro Sorocabana, patrimônio tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat). A contestação estende-se agora para as áreas vazias do assim chamado “destombamento” do complexo ferroviário, em contestação às deliberações do Condepacc.
Ao apontar um dos entraves à construção na Estação Ferroviária, Gomes lembrou que “o Condepacc pede que haja uma área do complexo para venda. Esta área, no entanto, não é da Prefeitura, é do Governo Federal, subordinada ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). A intenção dos idealizadores do shopping popular é aproveitar as instalações do complexo ferroviário, no Pavilhão do Relógio, para construir os estabelecimentos para os camelôs”, disse Carlos Gomes.
Para a arquiteta e urbanista Ana Paula Farah, membro do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos-BR) e professora da PUC-Campinas, a construção de um shopping popular no local é, acima de tudo, um “erro ético” por parte dos profissionais da arquitetura que ofereceram subsídios para os argumentos a favor do novo empreendimento.
“O Complexo Ferroviário é um patrimônio industrial e ferroviário tombado por duas instâncias: o Condefaat e o Condepaac. O primeiro tombou os monumentos isolados, enquanto o segundo, os monumentos e o seu entorno por inteiro. Há cem anos, os órgãos internacionais ligados à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) já usam o conceito de que o envoltório dos bens materiais são também parte dele, mesmo que imateriais”, argumenta a urbanista.
A professora Ana Paula também tem atuado para reverter a construção do shopping popular. No ano passado, ela encaminhou uma denúncia ao Ministério Público argumentando que a construção de um edifício, no espaço de construções socialmente e culturalmente interligadas, destruiria a paisagem memorial do espaço. A denúncia, no entanto, foi arquivada pelo Ministério Público em função de, até então, ainda não existir o projeto oficial da Prefeitura. Os dois arquitetos já fizeram tentativas de conhecer detalhes do projeto, mas a Prefeitura não respondeu às solicitações, segundo dizem.
O projeto de lei que autoriza a cessão do local foi assinado pelo ex-prefeito Jonas Donizette (PSB) no dia 29 de julho de 2020. O contrato para a construção do shopping foi assinado no dia 11 de novembro do ano passado pela Prefeitura, junto a um termo com o Sindipeic e a Engemon Comércio e Serviços Técnicos Ltda, a empresa responsável pela obra.
Em 6 de agosto de 2020, o então prefeito Jonas Donizete sancionou um projeto de lei complementar (PLC), aprovado por unanimidade pela Câmara dos Vereadores, de autoria do Executivo. Segundo o texto publicado no Diário Oficial do Município de 17 de agosto daquele ano, a Prefeitura concede a área por 17 anos, com a possibilidade da prorrogação de dois prazos consecutivos com 20 anos cada.
Segundo entendimentos para o encaminhamento da obra, os camelôs terão o prazo de 30 dias para desocupar as ruas do centro da cidade, assim que o prédio estiver pronto, medida que integra um plano de requalificação da região central. A construção demorará até dois anos para ser concluída, sendo de responsabilidade financeira do Sindipeic, que dividirá os custos do empreendimento entre os ambulantes beneficiados.
Os planos para a obra – com croqui já divulgado à imprensa – indicam que, no local, haverá espaço para 1,2 mil comerciantes que já estavam no cadastro dos camelôs de Campinas e que trabalham na região central da cidade. A área a ser construída terá 42,6 mil metros quadrados, com quatro pavimentos, 633 vagas e 1.623 boxes nos 19 mil metros quadrados do Complexo Ferroviário.
A reportagem do Digitais procurou contatar o vereador e ex-vice-presidente do Sindipeic, Carlinhos Camelô (PSB), para ouvir seu posicionamento diante da polêmica causada pela obra. Até o fechamento desta matéria, ele não havia retornado o contato.
“A aprovação de um projeto em um sítio tombado, como é o caso, é muito complexa, e não é qualquer arquiteto que pode subsidiar argumentos ou assinar projetos desta natureza. O arquiteto precisa ter formação em patrimônio público. Sem isso, não pode ser aceito para assinar a proposta”, afirmou Carlos Gomes.
Para Ana Paula e Carlos Gomes, o local não pode ser utilizado para a construção de um centro de compras, mas voltar-se à “dinâmica geográfica e geopolítica da cidade, após anos de abandono”.
“Poderiam levar para lá o Poupatempo, o centro de documentação de memória, o arquivo histórico, a concentração dos Museus da Imagem e do Som de Campinas (MIS) e o Centro de Ciências, Letras e Artes (CCLA). Claro, preservando os bens. O local poderia ser usado para centralizar as informações históricas de Campinas em uma área já tombada como patrimônio histórico”, argumentou Ana Paula.
Já para Carlos Gomes, “o complexo ferroviário deve voltar a ser o que ele está determinado a ser: produtor de trens e de seus maquinários. Deve voltar a ser o que era”.
De acordo com a arquiteta Ana Paula, o problema não está na construção de um shopping popular, mas no prejuízo com a perda da identidade da cidade, uma das únicas no mundo que desfrutou de cinco ferrovias, com um polo industrial e tecnológico, com capital nacional e estrangeiro. “A população só vai compreender e se apropriar dos seus espaços memoriais e de identidade se ela puder conhecê-los. O passado é importante para transmitir o legado para as gerações futuras”, comentou.
Orientação: Prof. Carlos A. Zanotti
Edição: João Vitor Bueno Silva
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