Destaque
Em entrevista exclusiva, Antônio Gaudério trata fotografia como canal de denúncia
Entrevista realizada em conjunto por Bianca Velloso, Caroline Adrielli, Isabela Nicomedes, Isabela de Oliveira, Letícia Almeida e Thammy Luciano.
Destaque no fotojornalismo com seu trabalho que reflete a humanidade e as questões sociais, Antônio Gaudério, 62, defende a importância da fotografia como forma de contar histórias e transformar o mundo. Em seu acervo, há séries que denunciam o trabalho escravo, a prostituição infantil e outras mazelas sociais. Todos os registros são resultado da dedicação de Gaudério e sua entrega como profissional. O fotojornalista sofreu um acidente em 2008, no qual perdeu sua memória, mas os registros através de fotografias de tudo que presenciou, permitem que seu trabalho não seja esquecido.
Antônio Gaudério esteve por vinte anos na Folha de S. Paulo, onde seu trabalho ganhou grande destaque e sua carreira deslanchou, sendo agraciado com diversos prêmios, entre eles o Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos pela série “Privatização da Embraer” em 1995 e “Infância Roubada” em 1998. Em entrevista exclusiva concedida à alunas da PUC Campinas para a disciplina de fotojornalismo, Gaudério contou sobre o significado da fotografia documental em sua vida e trouxe algumas reflexões a respeito da profissão.
Digitais: O que o fotojornalismo representa pra você hoje em dia?
Antônio Gaudério: Apesar de não fotografar atualmente depois do meu acidente, nunca deixei de trabalhar com fotojornalismo. É um trabalho importante na área da arte, da cultura e da notícia. É claro que o fotojornalismo de hoje não é o mesmo de quando eu fotografava. Na época de publicação, minhas fotos saiam em jornais. Hoje minhas fotos saem em revistas, galerias e museus. Na época as minhas imagens eram mais notícias do que arte. Hoje são mais arte do que notícias.
Independentemente do passado e do futuro, a fotografia terá cada vez mais gente atuando, o que pode levar à banalização. Mas o fotojornalismo, a curiosidade de ver e conhecer, a vontade de transformar somada à necessidade estética e ao poder de congelar o tempo, garante o futuro do fotojornalismo independente da internet, da robótica ou do teletransporte.
Digitais: Quais são suas fotos preferidas? Por quê?
Antônio Gaudério: Quando olho para o meu trabalho hoje, depois do acidente, eu sinto o “Fingerspitzengefühl”, ou seja, o sentimento na ponta dos dedos.
Eu passei a maior parte da minha vida fotografando para jornal. Assim quase todos os dias eu tive que parir, com maior ou menor esforço, uma foto para fechar um buraco na página. Todo dia tive que matar um leão. As melhores foram as que serviram para mudar a realidade das pessoas envolvidas, para contribuir com a melhora do mundo.
Digitais: Você acompanha os jornais? O que você acha sobre as fotografias publicadas atualmente?
Antônio Gaudério: Sim, acompanho o máximo possível, e acho que é pouco. Acho que as agências de notícias contribuem muito para o crescimento e a valorização da profissão, embora no Brasil, onde desrespeitam as leis, elas também contribuem muitas vezes para esculhambar o mercado de trabalho.
Digitais: Existe algum fotojornalista que você acompanha?
Antônio Gaudério: Vários. As redes sociais são plataformas interessantes para veicular seu trabalho sem interferências terceiras e sem conflito de interesses. Acompanho fotojornalistas das antigas, mas os mais jovens também. Marlene Bergamo, Jorge Araújo, Maíra Erlich, Francisco Proner, Maurício Lima, Gabriela Biló…
Digitais: Em seu acervo é visível uma série de fotografias voltadas pra denúncias, com um lado mais social, expondo as mazelas da sociedade. Atualmente, qual a importância dessas fotografias pra você?
Antônio Gaudério: Depois que perdi totalmente minha memória no acidente doméstico de 2008, revisito o que vivi através do meu Acervo. É uma atividade fundamental pra mim. Em 2020 comecei a publicar certas imagens nas redes sociais como convite para as pessoas revisitarem esses momentos e essas histórias comigo. Não me lembro de nada antes do meu acidente, mas felizmente, trabalhei a vida toda registrando o que via.
Procuro diariamente ver o meu material, selecionar fotos para compartilhar no Instagram e no meu site. Pego imagens antigas e publico na atualidade. Fotos do ex-presidente Lula no Suriname, dos últimos indígenas Avá-Canoeiros, do título de tetracampeão do futebol brasileiro, do confisco das cadernetas de poupança no Plano Collor, e etc.
Minhas fotos são registros para não deixar a memória morrer. Pra mim, mas também para os outros.
Digitais: Qual a sua opinião sobre a fotografia como forma de resistência e denúncia?
Antônio Gaudério: Me tornei repórter fotográfico porque queria mudar o mundo. Eu era jovem e morava em uma casa de estudantes engajados em lutas por moradia, ensino público de qualidade, alimentação e direitos humanos. Foi ali que eu entendi que todas as lutas estavam relacionadas. Por isso comecei a fotografar, para contar histórias, para denunciar, para mostrar.
O trabalho do repórter fotográfico é contar histórias com imagens. A história dos outros, não a dele. Sempre digo que o repórter tem que ter uma posição humilde de quem precisa ser aceito, para que só assim consiga documentar a realidade sem interferência. E mesmo depois do trabalho realizado, a humildade permanece, porque o mérito está mais nas pessoas envolvidas ou no acontecimento em si do que em quem capturou.
Máquinas analógicas, digitais, modernas, antigas, grandes, pequenas, celulares, fotos em preto em branco, coloridas… No fotojornalismo, a importância não está nisso. Está justamente em como se mostra alguma coisa, como se denuncia, como se mostra a resistência.
Entrevista para a disciplina de Fotojornalismo
Orientação: Prof° Dr° Celso Bodstein
Edição: Bianca Velloso
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