Destaque
O psicólogo escolar Rinaldo Voltolini lamentou que Milton Ribeiro queira segregar ensino para autistas
Por: Aline Nascimento e Laura Nardi
“Esse projeto representa um retrocesso na educação inclusiva”, criticou o pesquisador da USP Rinaldo Voltolini, especialista em psicologia escolar, ao comentar declarações do ministro da Educação, Milton Ribeiro, que recentemente defendeu a criação de turmas ou escolas exclusivas para estudantes com deficiência cognitiva. De acordo com Voltolini – que falou ontem (27) em seminário promovido pela Fapesp para debater o atual estágio das pesquisas brasileiras sobre autismo – a escola não é apenas um espaço de aprendizagem formal, mas sobretudo “um potencializador de laços sociais”, atributo que considera fundamental para as políticas inclusivas.
Com a intenção de promover um olhar multidisciplinar sobre a condição do Transtorno de Espectro Autista (TEA), que atinge uma a cada 160 pessoas – no Brasil e no mundo – o evento promovido pela Fapesp contou também com a participação da psicóloga Cristiane Silvestre de Paula, professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie; da geneticista Maria Rita Passos Bueno, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP); e da bióloga Patrícia Beltrão Braga, professorado Instituto de Ciências Biomédicas (ICB-USP). Com apoio da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), o seminário, promovido de forma remota, foi ao ar no canal da Alesp no Youtube.
Voltolini lembrou que, no Brasil, segundo os princípios da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, independentemente de qualquer traço que necessite de atendimento especializado, toda criança deve ser matriculada na escola regular. Porém, segundo ele, a aposta maior da inclusão não está na garantia dessa matrícula universal, mas sim na circulação social desses jovens. Sendo a escola um lugar de contato e troca comunitária, ela funciona como arma intensificadora no desenvolvimento da criança, assegurou o pesquisador.
“Os grupos mix, que põem em contato crianças autistas com crianças neurotípicas [que não possuem o transtorno], propiciam uma abertura, com impacto positivo sobre o desenvolvimento do portador do transtorno”, rebateu o estudioso, assegurando que o convívio não apenas beneficia autistas, mas a sociedade de forma geral, pois é levada a aprender a conviver com as diferenças.
Em sua palestra, Voltolini disse ser necessário promover adequações na formação dos próprios professores, de forma a que saibam atender às necessidades do grupo autista, a quem se deve assegurar propostas pedagógicas de ensino para o efetivo aprendizado. Um estudo feito por ele e sua equipe de pesquisadores evidenciou que o método de caráter processual – do qual parte-se de uma experiência concreta para a posterior teorização – tem melhores condições de aproveitamento para os estudantes autistas.
Ainda no tocante a técnicas que expandam a capacidade de aprender dos portadores de TEA, a professora da pós-graduação em distúrbios do desenvolvimento Cristiane Silvestre de Paula, da Universidade Mackenzie, e pesquisadora do Departamento de Psiquiatria da Unifesp, disse que mais de 50% das crianças autistas têm problemas atencionais que costumam prejudicar seu aprendizado.
Em função disso, a docente vem participando do desenvolvimento de um programa de treinamento computadorizado, denominado Computerized Progressive Attentional Training (CPAT), que visa exercitar as habilidades de atenção de crianças autistas com idades entre 8 e 14 anos por meio jogos lúdicos. Em sua pesquisa, 26 autistas participaram de 16 sessões de 45 minutos, com metade delas instruída no sistema CPAT, e a outra não. Após o treinamento, o grupo que utilizou o sistema CPAT apresentou melhoras significativas em relação à escrita, leitura e matemática, enquanto o outro grupo de crianças não apresentou evidência de evolução.
“Mesmo com uma amostra pequena, o CPAT se mostrou eficaz para o desempenho acadêmico”, comemorou a professora, antecipando que “os próximos passos visam a adaptação do CPAT nas escolas, visando atender quaisquer crianças que tenham alguma dificuldade de atenção”. A docente disse ainda que, em paralelo à escola, os pais e responsáveis por crianças autistas poderão ser treinados para prosseguir com a aplicação do sistema em suas residências, após o período de aulas.
Na biociência – segundo informou a professora Maria Rita Passos Bueno – já está documentado que fatores genéticos são determinantes na formação do espectro autista, além de alguns fatores ambientais ainda não claramente definidos, como a ingestão de drogas durante a gestação. Com esse conhecimento, essa professora e pesquisadora do Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco da USP, através de uma pesquisa com testes moleculares, vem buscando encontrar novas estratégias para diagnosticar o autismo, bem como descobrir as causas que levaram o portador a desenvolver o distúrbio.
Responsável pelo desenvolvimento de um projeto denominado “Fada do Dente” – que coletou 400 amostras de dentes de leite de pacientes autistas – a professora Patrícia Beltrão Braga disse que o estudo visa “compreender os mecanismos biológicos por trás do autismo”. Para tanto, os pesquisadores utilizaram-se de material retirado da polpa do dente de leite de autistas com grau severo e, a partir de então, buscam entender o sistema neurológico do TEA. A pesquisadora disse que, através do estudo já concluído, observou-se que os neurônios dos portadores do espectro realizam menos sinapses químicas, além de apresentarem neuroinflamação ocasionada pela produção excessiva da proteína citocina IL-6.
Aqui, acesso ao seminário “Ciência e Autismo”, da Fapesp.
Orientação: Prof. Carlos A. Zanotti
Edição: Fernanda Almeida
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